Este Blog foi um programa de rádio The Steadfast Tin Soldier: janeiro 2008

quarta-feira, janeiro 30, 2008

 

A Arte da Fuga

Chegámos, finalmente, a uma matéria extremamente interessante nas aulas de Análise e Técnicas de Composição: a Fuga.
Eu gosto de Fugas.
Estão ali as notas todas seguidinhas a beber uma água Tónica, depois entram outras como quem é o Dominante ali do sítio, e tal, mas limitam-se a repetir o que as primeiras fizeram só que no 5º andar. Depois juntam-se mais umas quantas a imitar as primeiras, com tudo a soar muito bem junto. E de vez em quando lá cantarolam o início... Depois encavalitam-se todas num stretto, cantam mais umas vezes a cena do início e... "Contraprontos", acaba tudo em bem...
Para além deste primeiro video que já foi sobejamente divulgado pelo nosso vizinho do Episema, há um segundo video, também no YouTube, sobre as fugas, desta vez com uma fuga do Glenn Gould. O título da obra... "So you want to write a fugue?"





segunda-feira, janeiro 28, 2008

 

Harmonia Perfeita

O anúncio do novo Ford Focus, que passa constantemente em todas as estações de metro equipadas com aqueles ecrãs que nos informam da agenda cultural e da posição dos clubes no campeonato, está, na minha humilde opinião de apreciador-de-publicidade-lá-de-vez-em-quando, excepcional.
Os instrumentos são verdadeiros, criados a partir de partes do novo Ford Focus, e a peça dá pelo nome de "Ode to a Ford", do compositor Greg Ritchie.
Vale a pena ouvir e ver com atenção.



Mais uma informação: no
site da Ford estão 5 vídeos que mostram os instrumentos a serem construídos. Bastante interessante...

quinta-feira, janeiro 10, 2008

 

Um atentado à pobreza em três imagens

O Hotel Estoril Sol começou a ser demolido porque, segundo algumas cabeças pensadoras, destoava da paisagem. No seu lugar vai ser construído um belo mamarracho projectado pelo Arq. Gonçalo Byrne que mais parecem uns caixotes empilhados. Vai ser um complexo habitacional de luxo, o mais caro de Portugal. O apartamento mais caro já foi vendido por cerca de 4 milhões de euros, e o mais barato é um T1 que custa não menos que 180 mil contos. Num país em que fábricas fecham, mães são despedidas com uma mão cheia de nada e a cabeça já vazia de esperanças, num país em que muitos ainda não têm água canalizada, nem esgotos, nem electricidade. Pior ainda, num país em que muitos não têm, sequer, uma casa (porque, afinal, o direito à habitação considerado no artigo 65º da CRP não passa de uma norma programática...) ou um pão para comer e muitos dos que tinham começam já a prescindir do luxo que é esse alimento básico que em 2008 sofrerá um aumento de 30%. Pior do que tudo é venderem-se apartamentos de luxo por 800 mil contos neste país de misérias dissimuladas por detrás de cimeiras internacionais e estádios de futebol quando, no mundo, ainda há tanto por fazer...
Não sei - nem quero saber - quem irá viver em tais apartamentos-antros de luxo e de culpa. Mas sei quem não irá. Estes:


segunda-feira, janeiro 07, 2008

 

A pior abordagem de sempre

Hoje fui vítima de uma das mais estúpidas abordagens de sempre por parte daqueles senhores engravatados que nos tentam impingir o novo cartão de crédito Citibank.
Estava eu na estação de Entrecampos a dirigir-me para casa e trazia na mão um dos diários de José Gomes Ferreira que tinha vindo a ler no metro. Ao subir as escadas reparei em três distintos cavalheiros de fato e gravata, borbulhas e cabelo mal lavado, ar de quem não pertence àquela roupa. Um deles dirige-se a mim e começa:
- Desculpe...
Eu disparo a minha resposta habitual:
- Não tenho tempo, obrigado... - e olho rapidamente para o balcão da Citibank com o logotipo lá bem escarrapachado.
O dito senhor olha de relance para o livro que trago na mão e continua:
- Não, não é isso... Não é da Faculdade de Letras?
- Não...
- Ah... É que eu precisava de uns apontamentos... Mas, já agora, temos aqui este balcão da Citibank...
- ... (viro as costas)

 

Matemática cantante

Ai o ponteiro da tortura
naquela sala
que a matemática tornava mais escura
em vez de iluminá-la.

Felizmente só o nada-de-mim ficava lá dentro.

O resto corria no pátio-em-que-nos-sonhamos,
pássaro a aprender os cálculos do vento
aos saltos para os ramos.

Mas só quando voltava para casa à tardinha
encontrava a minha verdadeira matemática à espera
na lógica dura das teclas do piano,
no perfil-oiro-pedra da vizinha,
na flauta de água macia do tanque
- chuva de Mozart nos zincos da Primavera...

Matemática cantante.

- José Gomes Ferreira

sábado, janeiro 05, 2008

 

Ano velho, vida nova...

2007 foi, para mim, um ano de mudanças. A minha vida mudou bastante, por várias razões. Encontrei a minha cara-metade e, com ela, mudei a minha maneira de ser. Posso dizer que cresci e me tornei uma pessoa mais tolerante, mais consciente e menos preconceituosa. Penso que amadureci bastante.
Amadureceram também as ideias e mudaram os paradigmas pelos quais orientava a minha vida. Alterei de forma significativa os meus objectivos pessoais e profissionais, estabeleci novas rotas e encontrei-me em caminhos que julgava não existirem. À Tatiana, que me ajudou a encontrar o João, uma palavra que diz tudo: Estrelinho*te...
Foi um ano de viagens, sem dúvida. Um ano de férias com a família, de intrarail, de concertos fora da capital e de viagens (umas vezes esperadas, outras de surpresa...) para Portimão. Visitei e revisitei cidades e lugares, estive nos extremos do país. Conheci novas pessoas e considero-me uma pessoa de sorte por ter sido sempre bem recebido. Conheci sítios como Caminha, Valença, Melgaço, Viana do Castelo, Darque, Guimarães, S. Pedro do Sul, Portimão, Monchique e Faro, revisitei Sintra, Mafra, Óbidos, Viseu, Porto, Braga, Vila Nova de Cerveira...
Foi também um ano muito importante em termos de cultura, especialmente de música. Estive presente em 21 concertos, 9 dos quais em que actuei; dos restantes 12, 3 foram óperas. Estou empenhado em subir bastante estes números em 2008... Assisti a apenas um espectáculo de teatro, visitei 8 museus e fui 4 vezes ao cinema. Vi bastantes filmes em casa, especialmente no Verão, mas ainda assim o meu apetite de cinéfilo não foi saciado, daí que o cinema seja uma das apostas fortes para 2008. Em termos de leitura, envergonho-me de dizer que comecei a ler vários livros, mas nenhum deles foi completado. Ler pelo menos um livro por mês é uma das minhas resoluções para este ano, e que se insere numa outra mais geral e que irá afectar toda a minha vida: conseguir uma melhor gestão do tempo...
Basicamente, essa é a grande resolução para este ano: gerir melhor o meu tempo. Conseguir coordernar a música e a não-música, o dever e o prazer, o útil e o inútil, dar o meu máximo e receber o máximo. Espero - e farei por isso... - que 2008 seja um ano com tudo o que 2007 trouxe de bom, mas em dose dupla! E desejo o mesmo para todos os leitores do The Steadfast Tin Soldier. Com 4 dias de atraso... FELIZ 2008!

"Com organização e tempo, acha-se o segredo de fazer tudo e fazê-lo bem feito."
- Pitágoras

quinta-feira, janeiro 03, 2008

 

Obsessivo e compulsivo

Fernando abriu os olhos. Levantou-se e caminhou sonolentamente para o duche ao mesmo tempo que esfregava a polpa dos dedos contra cada mão; indicador, médio, anelar e mindinho pressionando e arrastando-se na palma da mão, do mais afastado da palma para o mais perto das falanges possível, e os polegares na dobra da segunda falange do indicador. À vez, primeiro os quatro dedos, depois o polegar. Uma. Duas. Três. Quatro vezes os quatro dedos, e uma duas três quatro vezes o polegar. Número par. Com a ponta do indicador empurrou a pele que se debruça sobre a unha do polegar, quatro vezes, “para compensar” a pressão que tinha feito antes. Debruçou, em cada mão, o dedo já saciado sobre as unhas dos outros quatro e empurrou também a pele no sentido da unha, para compensar. Quatro vezes. Apostou consigo próprio que, antes de chegar à casa de banho, completaria estas manobras e as repetiria em número de três, totalizando quatro. Número par.
Tomou banho. Vestiu-se. Tomou o pequeno-almoço engasgado na pressa do atraso, tirou as pantufas que ainda aqueciam os pés e calçou umas botas castanhas. Pegou no guarda-chuva, limpou os pés no tapete de entrada à saída e correu para a estação.
Fernando saiu das aulas e piscou os olhos. Uma vez devagar, para aliviar a vontade de os piscar. Depois outra devagar também, levemente, e duas vezes seguidas rápidas, com força, franzindo o nariz numa expressão em que as sobrancelhas pareciam estar a ser engolidas pelos próprios olhos, assim como toda a pele em volta. O comboio chegou à estação, entrou e pigarreou duas vezes Hram Hram!, tosse e pigarreia mais duas Hram Hram!, e três vezes tosse novamente, forçando para compensar o desequilíbrio que o deixa tão nervoso e desconfortável. Chega a casa. Esfrega a sola das botas no tapete para não encher a casa de terra porque ainda hoje a mulher-a-dias andou a aspirar. Lava os dentes enquanto o Diabo pisca quatro vezes o mesmo olho e mais quatro o outro, dá um beijo rápido à mãe e diz que vai buscar a namorada, combinaram ir jantar fora hoje, que ela chegou a Lisboa no expresso das 12h30 e ainda não se viram. Pega rápido nas chaves do carro e sai porta fora, limpa os pés no tapete e levanta um pouco de pó que sente tocar-lhe no nariz. Danado do pó!, Fernando dilata as narinas duas vezes e mais duas depois de uma pausa de 2 segundos. Número par.
Entra no carro e fecha a porta Trás! Eterna preocupação de quando entra no carro, volta a abrir a porta e fecha-a Trás! com um pouco mais de força, não vá ela ter ficado mal fechada. Não é preciso, sabe-o Fernando, mas mesmo assim faz sempre o mesmo. É como limpar os sapatos no tapete ao sair de casa. Mete a primeira, ponto morto e, vício copiado do pai, abana o manípulo de um lado para o outro, quatro vezes faz isto e volta a pôr a primeira. Agora tem a certeza de que entrou bem. Da primeira também tinha entrado…
São 19h00 e é já noite escura, a luz do Inverno não perdoa. O vermelho do semáforo e dos stops empresta mais cor ao amarelo dos candeeiros que, naquele momento, predomina sobre todo o colorido daquela estrada. Pisca quatro vezes os olhos no ritual sem força e com força, duas vezes duas vezes, senão fica desconcentrado e não é capaz de pensar em mais nada enquanto não concluir o equilibrar daquelas piscadelas. Dá por isso a meio das piscadelas: aproximam-se do seu carro, vindos de não sabe onde. São quatro, número par. A garganta, qual filme de Hollywood ou vida real, seca-se num instante e leva-o a pigarrear. Quatro vezes, caramba, tinha de ser, número par. Esfrega rapidamente quatro vezes os dedos, as unhas quatro vezes empurradas enquanto olha para o semáforo e pede que passe a vermelho, cruzando-se agora com o pensamento de arrancar enquanto o verde não chegou ainda.
Em menos de quatro vezes esfregar as unhas e perder tempo, abrem-lhe a porta do condutor. É só um. Os três ficam atrás, à espera. Fora do carro, deitado no chão, pontapés em número que não se contou, bastonadas, cuspido com desprezo, filho da puta e cabrão berrados com pronúncia que já não se sabe bem classificar. Como pode, arrasta-se para o carro e tenta tirar uma faca que está por baixo do assento. Vêem isto os quatro e não hesitam no que fazem. Uma meia preta, grossa, acerta-lhe na nuca e racha o crânio sob o cabelo curto. Mais quatro, e mais quatro, e mais pancadas, e pancadas quatro mais umas quantas, mais quatro e já Fernando não as conta desde a primeira.
Cristina olha para o relógio. Oito e quatro. Um quarto de hora atrasado mais quatro minutos. E o Fernando que nunca se atrasa para nada, nunca perde tempo algum senão aquelas fracções de segundo em que hesita no que faz por querer ceder àquelas manias, aqueles viciozinhos de repetir as coisas, aquele seu jeito obsessivo e compulsivo mas é engraçado, é jeitinho dele, não é doença...
Jorra a nuca espapaçada alimentando a poça que se alarga no chão. A meia encharcada caída ao lado. Lá dentro, uma bola de bilhar. Vermelha lisa, o três. Número ímpar.

João Pedro Nunes
2 Jan. 2008

Para quem estiver curioso: 6ª feira, dia 4 de Janeiro, na TSF, às 19h15, Grande Reportagem "Loucura consciente", sobre o transtorno obsessivo compulsivo.


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