É com profunda tristeza que vejo banalizarem-se agora os audiolivros. É uma moda que me parece estar a começar a pegar e que, caso isso se verifique, vai ser um rombo enorme na já arrombada cultura dos portugueses - que, muito tugamente, nem assim põem trancas à porta. Se hoje em dia já se lê pouco, o que acham que vai acontecer se os audiolivros se entranharem na vida cultural dos portugueses? (Yeah, right, como se "vida cultural" e "portugueses" pudessem estar juntos na mesma frase...) Como é possível que se queira aumentar a cultura e elevar o nível intelectual das pessoas dando-lhes livros para ouvir em vez de livros para ler? Quer dizer, na verdade os audiolivros nem são tão maus assim! Eu acho que os audiolivros são excelentes, são uma ideia brilhante e o inventor deste tipo de livros falados (se é que há um só "inventor") devia ser galardoado com o Nobel da paz. Sim, são excelentes, sim, são óptimos, sim, são uma maravilha. MAS PARA AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS VISUAIS! E não, a estupidez e a preguiça não contam como deficiência visual...
Acho que, surgindo agora os audiolivros, as pessoas sentem o "trabalho" de ler muito mais facilitado: basta comprar o CD, ouvir enquanto estou no carro ou então ripo para MP3 e posso ouvir a caminho do trabalho (ou durante)... E é assim que se lê no séc. XXI! Ler é algo que tem magia própria, ler dá-nos a oportunidade de imaginarmos tudo o que lá está e o que se esconde por detrás, dá-nos a hipótese de criar as vozes das pessoas, as cores, os cheiros, a luz, tudo! Lido por alguém para que nós possamos ficar sentados a ouvir é, simplesmente, retirar toda essa magia. No audiolivro do Codex 632, TODAS as personagens terão a voz do Ricardo Carriço. As paredes terão a voz do Ricardo Carriço. As cores, os cheiros, o céu, as nuvens, o som, tudo será a voz do Ricardo Carriço. Não é um bocadinho maçador? Onde é que fica, então, a voz da nossa imaginação?
Não considero que seja uma desculpa válida o facto de "hoje em dia a sociedade obriga-nos a uma vida muito agitada, não há tempo para ler"... Tretas! O tempo que uma pessoa demora a ler um livro para si própria é bastante inferior ao tempo que alguém o demora a ler em voz alta. Estar sentado a "ouvir o livro" (a expressão é estranha, até custa escrevê-la...) leva bastante mais tempo do que estar a LER o livro. "Ah, mas eu não vou estar só a ouvir o livro, vou estar a fazer outras coisas ao mesmo tempo...", e como é que se consegue, então, prestar a devida atenção ao que se está a ler/ouvir ler? "Ooops, agora distraí-me aqui com isto, não entendi o que ele disse, vou rebobinar para ouvir de novo." - dobro do tempo perdido!
Leitores do Steadfast Tin Soldier (hein? LEITORES, e não OUVINTES... Embora já me tenha passado pela cabeça algumas vezes produzir uma versão audio de alguns posts... Mas não o fiz exactamente por isto!), peço-vos para não caírem na tentação de passar a ouvir os livros em vez de os lerem. Não digo que não comprem nenhum, nem que seja só pela simples curiosidade de saber como é... Eu, possivelmente, irei comprar um. Dos mais baratos, por dois motivos: Primeiro, porque não vou dar um dinheirão por um livro falado. Segundo, porque audiolivros mais baratos significam menor despesa na concepção, o que significa narradores mais mal pagos, o que significa narradores menos experientes ou com menos qualificações, o que significa que aumenta a probabilidade de podermos encontrar algumas gralhas. Ou podemos ter a "sorte" de ter um narrador fanhoso, ou ciciante, ou sopinha de massa... E isso era post certo neste blog, com direito a audio e tudo!
# pintado por JoaoPedro @ 01:36