Este Blog foi um programa de rádio The Steadfast Tin Soldier: Os carrascos do carrasco

quinta-feira, janeiro 18, 2007

 

Os carrascos do carrasco

Já passam mais de duas semanas após o evento social mais esperado do ano passado (o enforcamento de Saddam...) e, fora alguns comments em que disse que estava de corda ao pescoço com os exames, não houve ainda aqui nenhuma referência ao enforcamento do Sr. Bigodes. Não vou cansar-me a produzir um texto sobre isso quando alguém já o fez com tanta qualidade. Vou simplesmente armar-me em vil criminoso e copiar à balda e sem olhar a direitos de autor a crónica de Ricardo Araújo Pereira na coluna Boca do Inferno, na revista VISÃO da semana passada.

Como toda a gente, suponho, fiquei impressionado com as imagens do enforcamento de Saddam Hussein. Não é todos os dias que se assiste a um momento de ternura daquela dimensão. Refiro-me sobretudo ao modo como um dos carrascos enrola um paninho de flanela à volta da garganta do ditador, antes de ajustar o baraço. Notável, aquela preocupação de não magoar o pescoço que se está prestes a partir. «Matar, sim, mas sem aleijar», parece ser o lema daquele verdugo. E quando o homicídio é praticado com esta meiguice, custa a perceber a má reputação de que desde sempre vem gozando. De facto, se é possível apertar o gasganete a alguém sem lhe deixar aquelas marcas tão feias no pescoço, que necessidade temos de persistir no antigo modelo de enforcamento, sem paninho de flanela, que é tão brutal e bárbaro? São gestos que não custam nada e fazem toda a diferença.
Mas, como tudo na vida, o enforcamento de Saddam também teve aspectos negativos. É certo que o ditador foi punido pelos assassínios de que foi responsável, tanto os que foram cometidos na altura em que era um grande estadista apoiado pelos Estados Unidos, como os que ordenou na fase em que já era um repugnante ditador sanguinário. O problema é que a execução transformou Saddam num ser humano, o que é tão triste quanto inédito: o homem estava vivo há 70 anos e ainda ninguém tinha percebido que aquele energúmeno era uma pessoa igual às outras.

É impossível assistir à execução de Saddam sem recordar uma grande obra da história da pintura. O leitor está a ver Os Fuzilamentos de 3 de Maio, do Goya? Então esqueça. Estou a pensar noutro quadro. Refiro-me ao Pequeno-almoço na relva, do Manet. Lembra-se? Estão dois senhores e uma senhora a tomar o pequeno-almoço na relva (e, tendo isto em conta, não se pode dizer que o título do quadro seja particularmente imaginativo) e, ao passo que os dois senhores estão vestidos de fato e gravata, a senhora está completamente nua. Um enorme deconforto invade imediatamente o espectador: há um embaraço evidente no convívio da nudez da senhora com o aprumo dos senhores, e há um embaraço ainda maior no facto de o espectador não fazer ideia de como se convence uma rapariga a ir para o meio de uma mata tomar o pequeno-almoço toda descascada. No enforcamento de Saddam, é igual: a única pessoa que ali está, o único que é exactamente igual a nós, com um rosto, uns olhos e uma vontade muito grande de fugir, é o que não tem capuz preto.
De resto, a execução de Saddam demonstrou, mais uma vez, quão bárbaro e atrasado é aquele povo: tudo mal filmado; a iluminação, péssima; o som, roufenho; e o momento crucial em que o cadafalso se abre não chega a ser captado. Trata-se de gente sem a mais pequena noção de clímax narrativo. No Ocidente esta vergonha não teria sido possível.

Comments:
Crónica interessante esta!
Se bem que acho dum certo mau gosto o último parágrafo.Que é tem o som ou a qualidade de imagem? Trata-se da morte dum homem...Por pior que ele fosse...
Eu sou totalmente contra a pena de morte....
Aqueles que condenaram a sua morte certamente fizeram-no para vingar umas quantas (muitas mesmo) mortes...Mas com que direito?magistral?...ou se calhar com o mesmo direito com que Saddam matou tantas pessoas (embora essas fossem inocentes!.....
É tão primitivo esta coisa de condenar as pessoas à morte...
E este senhor fala com tal banalidade dum filme que induzim crianças ao suicídio!
 
bem... eu sou contra a pena de morte, embora em certos casos tenha um bichinho cá dentro que diz "hmm hmm... enforcava-te todo..." =P lol
mas sim, acho que era preferível não terem morto o saddam... bastava que o sufocassem e, quando ele estivesse quase a morrer, soltarem-no... e depois voltar a fazer o mesmo, provocando-lhe uma vida de permanente sofrimento até que morresse de causas naturais ou apertassem demasiado a corda por engano... (e também lhe podiam pôr uns escorpiões a morder o escroto! :P lol)
e isso de induzir ao suicídio... concordo que o vídeo é realmente muito chato quanto à influência nas pessoas, e sem dúvida que dá a volta à cabeça de um gajo... eu próprio, quando o vi, senti aqui uma comichão no pescoço que parecia querer dizer "este pescoço está com falta de uma corda... vá, joão, vai lá buscar uma, vamos brincar aos saddams..."
 
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