quarta-feira, outubro 11, 2006
Solidão no meu Moleskine
Lisboa, 16 de Setembro de 2005
Bem... Já há muito tempo que não abro o meu Moleskine... Mas, se hoje o voltei a fazer, é porque há uma boa razão para isso. Talvez esteja a precisar de escrever, de comunicar, nem que seja com uma folha de papel.
Hoje, durante o almoço, estava a ver o telejornal e apareceu uma velhota numa reportagem que disse algo como "... e agora eu tenho a tensão alta, mas deve ser porque dia 14 vou fazer uma cirurgia de risco, e por isso tenho andado um bocadinho nervosa, ultimamente" e eu decidi, sem meditar muito no assunto, brincar com aquilo: "Bem, é mais uma daquelas pessoas que nunca fecham a boca... "Agora vou fazer uma cirurgia, daquelas que o meu Alberto já fez duas ou três vezes... Sim, o meu Alberto, o meu filho, aquele que trabalha ali numa empresa em Sacavém. Ah, aquele rapaz... Então não é que ainda no mês passado foi a Espanha? Trouxe-me de lá uma jarra tão bonita... Mas depois descobri que a Maria Amélia do 3º dto, aquela que a filha se mete na droga, também tem uma igual..." E a resposta da minha mãe foi "Sabes o que é isso? Solidão...", e eu fiquei a pensar melhor no assunto. O meu pai acrescentou que devemos ouvir estas pessoas, porque muitas vezes nem se trata de contarem a vida delas ou das vizinhas, mas sim de falarem um pouco, terem alguém que as queira ouvir... É simplesmente a básica necessidade de comunicar, que aumenta quando estamos sozinhos. E eu fiquei a pensar bem no assunto, e acabei por me identificar um pouco com essa necessidade.
O que eu vi hoje de manhã foi, à entrada do metro de Entrecampos, um homem dos seus setentas, com uma bengala, a estender a mão às pessoas... mas com a palma da mão virada para baixo. Não estava a pedir, penso eu, apenas parecia estar a tentar abordar as pessoas. Pareceu-me que queria falar com alguém. Não sei, foi só a impressão que me deu... Vi-o de longe e fui observando a cena enquanto me aproximava, mas quando passei por ele transformei-me em mais uma pessoa normal, apressada, atrasada para o emprego, não olhei sequer para ele. Mas senti que o olhar dele pousou, por instantes, em mim, como pousava em todas as pessoas que passavam. Como todas as pessoas que passavam, não retribuí sequer o olhar, não olhei para a mão que se estendia na minha direcção, não parei. E senti-me mal com isso. Senti-me mal com isso o dia todo, e odiei-me o dia todo por causa disso, e sinto que se voltasse a acontecer o mesmo, teria também continuado em frente. E odiar-me-ia de novo. Porque não há nada que eu possa fazer. E odeio-me por isso também.
O pensamento que me assaltou de seguida foi bastante egocêntrico: e se isto me acontecer a mim? Já pensei nisto várias vezes: quando vejo um homem que se curva ao andar, vergado pelo peso da idade, quando vejo uma pessoa cujas mãos tremem incessantemente e seria nitidamente incapaz de tocar piano (o que será de mim?), quando me cruzo com alguém cuja face rasgada pelas rugas já não permite distinguir um sorriso de uma expressão de profunda tristeza. E quando me cruzo com alguém que, não sei como nem porquê, sinto que está sozinha no mundo. O que será de mim? O que me irá acontecer daqui a 40 ou 50 anos? Vou estar cá, de mãos trémulas e enrugadas, sozinho, em casa, sentado numa poltrona de onde me custa levantar? Tenho medo...
tu tens a consciencia de que aquele homem existe e de que precisa de falar. isso é mais do que 90% das pessoas que passam por ele todos os dias (e tenho a certeza que sao muitas, e que quase todas reagem como tu reagiste). tu podes passar por ele amanha, olha-lo nos olhos, sem medo (porque no fundo, todos temos medo, nao sabemos é bem do que) e sorrir.
um simples gesto. tenho a certeza que vais mexer em alguma coisa lá dentro, por mais desarrumado que esteja o coraçao do senhor. tenho a certeza que vais mudar o dia dele. quem sabe a vida...
nos nao temos a consciencia, mas simples gestos podem mesmo mudar o dia de alguem. nao nos custa nada dizer "bom dia" e sorrir, de vez em quando.
"bom dia" parece uma boa opção mas, no entando, tenho medo que dizer "bom dia" com um sorriso soe erradamente sádico...
mas estás coberta de razão em todo o teu comment...
e é bem vdd: não nos custa nada dizer bom dia e sorrir de vez em quando ;)
parou, acabou tudo e nunca mais volta a acontecer nada...
n e revoltante??
posso ser so eu, mas este pensamento incomoda-me muito mais que o falado no post ainda que ache importante teres falado dele..
Quando vais no autocarro, não te limites a olhar para o infinito, enquanto pensas no facto de as estradas de portugal estarem todas esburacadas. Podes ouvir histórias mirabolantes, e aprender muito com as pessoas que já viveram mais do que tu.
Ser egocentrico passa muito por nao te aperceberes disso. Por pensares que as experiencias dos outros nada significam.
Para a próxima pára! Fala.
Bem, eu costumo conversar com as senhoras que vão no autocarro, mesmo tendo mais 60 anos do que eu, e já tive viagens muito aborrecidas, mas também já tive viagens interessantissimas. Daquelas em que ficas realmente com pena de teres sair na próxima paragem, e nao poderes ouvir um pouco mais.
De qualquer uma das maneiras, sentes-te bem por teres contribuido para o dia de uma pessoa se tornar melhor. Sim, porque como disseste, e muito bem, há pessoas que apenas querem um sorriso, ou uma palavra de interesse.
http://dn.sapo.pt/2005/05/06/artes/geracao_moleskine.html
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