Se pudesse definir alguma altura da minha vida como a mais bonita e aquela que mais saudades me traz, essa altura seria decerto a minha infância. Sempre quis ter uma casa na árvore, uma piscina rodeada de relva, sempre quis poder fazer como os meninos dos filmes de sábado à tarde e poder ir passear com muitos amigos ao parque e ter um cão maior do que eu... Mas nunca tive nada disto. Tive, no entanto, muitas outras coisas que me deixaram feliz e que fizeram as delícias da minha infância. São objectos (porque, quando somos pequenos, só contam as coisas que podemos ver e tocar...) e situações que lembro com muita saudade... Lembro-me das fisgas que o meu avô me construía às escondidas da minha avó, mas que invariavelmente acabavam escondidas atrás da porta da despensa porque achavam que eram muito perigosas e que me podia magoar.
Lembro-me de uma espingarda de madeira que o meu avô me fez, recortando uma tábua e pregando-lhe um prego na ponta para fazer de mira. Mais tarde atámos-lhe um cordel à frente e atrás e ele explicou-me que isso era a bandoleira e que assim podia levar a espingarda ao ombro nas intermináveis caçadas em que me levava num terreno por construir, ali perto, para "caçarmos lagartixas para o almoço", onde eu disparava balas sem fim, assinaladas apenas pelo "PUM!" que eu gritava com um sorriso no olhar, como quem diz "O almoço de hoje já cá canta..."
Lembro-me de uma cadeira de plástico azul, pequenina, onde eu me sentava no quintal a olhar para as flores.
Lembro-me da Tita, do Ó-ó e do Jonas, os meus três peluches favoritos. Lembro-me também de duas prateleiras amarelas, por cima da cabeceira da cama, onde tinha imensos peluches que a minha mãe atirava para cima de mim quando eu ia dormir, numa "chuva de bonecos", deixando-me a dormir submerso em peluches mas com um sorriso da mais pura felicidade estampado na cara.
Lembro-me do meu primeiro carro: um Toyota vermelho, a pedais, que era o meu meio de transporte no corredor do quintal, de trás para a frente, ao longo de 20 intermináveis metros habitados por lagartixas nos muros, flores nos canteiros e, dentro deles, bichinhos de conta e caracóis, e onde por algumas vezes levei o meu irmão sentado no capot.
Lembro-me de um regador vermelho, pequenino, que eu usava para ajudar a minha avó a regar as flores.
Lembro-me das histórias que o meu pai me contava, das proezas narradas à beira da cama em que ele salvava um menino que tinha caído num buraco do passeio. Uns anos depois, admitiu que parte dessas histórias não eram totalmente verdadeiras, mas eu entendi perfeitamente que tinham o objectivo de me alertar para alguns perigos. E funcionou: nunca caí num buraco do passeio...
Lembro-me de uma caixa amarela cheia de LEGOs que eu despejava em cima de um lençol, no chão do meu quarto, e passava horas (às vezes dias!) a inventar histórias com astronautas e cavaleiros medievais de 5 cm de altura feitos de plástico. Lembro-me de como era chato ter que arrumar aqueles LEGOs todos, no fim...
Lembro-me de um comboio que me ofereceram e que andava em círculo, e que eu aproveitei isso para construir uma cidade de LEGO e Playmobil no centro da pista.
Lembro-me de um teclado da Casio que me ofereceram no mesmo natal que o comboio. Lembro-me das etiquetas com o nome das notas e números de 1 a 7 para Dó a Si que a minha mãe colou nas teclas, e lembro-me de um caderninho com números que correspondiam às teclas, onde eu escrevi pela primeira vez música, sem ainda sequer saber o que é que aquelas teclas pretas estavam lá a fazer, porque só usava as brancas.
Lembro-me da minha mãe com uma t-shirt amarela do Tom&Jerry a cantar-me "Está na hora da caminha", e eu a chorar porque não queria que ela cantasse.
Lembro-me de como era pequenino e não tinha preocupações, e lembro-me como o mundo era tão bonito nessa altura. Lembro-me hoje, com saudades, da melhor altura da minha vida. E às vezes apetece-me voltar aos 5 anos e ficar para sempre pequenino...
# pintado por JoaoPedro @ 23:30