quarta-feira, setembro 20, 2006
Ecos de uma Lisboa que amanhece
Na Graça acordam alguns homens que saem para mais um dia de trabalho e que voltarão à noite, também hoje não fizeram a barba. De Santos chega meia-dúzia de rapazes e duas ou três raparigas com eles, agora de ar cheias as garrafas que trazem na mão, que vão dormir mais um dia de férias. Também eles voltarão à noite... Em Alfama, numa casa de paredes amarelas, a mulher já acordou, foi comprar o pão e tem agora o pequeno almoço pronto para os putos.
O sol do meio da manhã já brilha na Rua do Ouro, jovens passeiam, senhoras fazem compras, fatos e gravatas com homens lá dentro andam de um lado para o outro, pretas pastas de couro a pender das mangas.
Ao metro do Cais do Sodré chegou mais uma carruagem com um rapazinho de acordeão ao peito a cantar a Floribela, sou rico em sonhos mas pobre em ouro, e no comboio partiram mais uns quantos jovens de Ray-Ban na cara e cabelos dourados, pranchas debaixo do braço, quase identicos uns aos outros e confundir-se-iam até não fosse um deles calçar o 45 e ser vinte centímetros mais alto que o do lado, porque os traços do rosto tornaram-se semelhantes de uns para os outros, até o ligeiro ataque de acne (que agora está na moda) lhes coloca as borbulhas nos mesmos sítios.
Hora de almoço e no Areeiro saem dos edifícios as pessoas que por lá trabalham e que vão ali perto comer bem e barato num restaurantezinho de existência ignorada por muitos.
Um pouco depois começam a entrar nos autocarros os rapazes e raparigas que acabaram por hoje a escola e vão para casa divertir-se. E estudar, que de vez em quando também é preciso...
No jardim em frente à praça de Benfica encontram-se alguns jovens com mais de 65 para jogar à malha, às damas e para uma suecada à sombra das árvores que cortam o quente das três da tarde. Mais tarde voltam para casa e ao mesmo tempo saem do trabalho os senhores e senhoras do Areeiro, ficam ainda a trabalhar os homens da Graça.
À noite encontram-se turistas espalhados um pouco por toda a baixa, a deliciarem-se com um suculento roubo à casa acompanhado de uns preços exorbitantes com molho de Caistequenemumpatinho... Ui, é daqui! ("Ohh... It's from here!")
Aproxima-se a meia noite e os homens da Graça voltam para de onde vieram hoje de madrugada. Assim fazem os jovens com duas ou três raparigas, hoje já são outras, também loiras e de pele branquinha, carne suculenta de camone que anseia por experiências lisboetas. Não serão diferentes das do país delas. Se forem, será para pior. Já a garrafa de vodka na mão e continuam o seu passeio alumiados por Luzboa.
Entra a passo a madrugada e camiões verdes passam ruidosos, pirilampos amarelos doidos de tanto girar, fica o cheiro a marcar-lhes o rasto. Sorte a nossa que, a estas horas, poucos narizes estão lá para o cheirar. A noite segue: quieta nalguns lugares, noutros mais agitada do que de dia.
E no dia seguinte volta o cheiro a Tejo e a claridade da manhã que chega a esta cidade a ponto luz bordada... Cidade, mulher da minha vida.
Prometi que iria ser assíduo. Este post é um hino à cidade, uma apologia à sua identidade, uma pequena viagem sem pagar bilhete. Gostei. E, quando se pensa que já se conhece a cidade toda, descobrimos que ainda temos muito por descobrir. A velhinha Olisipus tem muito para nos contar...
Bravo!
Neo-realista com um toque daquela magia que transforma a mais terrível paisagem num quadro digno de uma galeria.
Se apenas não tivéssemo que viver nesta cidade todos os dias...
"À noite encontram-se turistas espalhados um pouco por toda a baixa, a deliciarem-se com um suculento roubo à casa acompanhado de uns preços exorbitantes com molho de Caistequenemumpatinho... Ui, é daqui! ("Ohh... It's from here!")" LOOOOOOOOOOOOOOOOOL esta é genial!
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