Este Blog foi um programa de rádio The Steadfast Tin Soldier: fevereiro 2007

sábado, fevereiro 24, 2007

 

Barra...

Como dizem os putos, "levei barra"...
Dias infindáveis de expectativa, passei a noite anterior a ouvir AQUELA música... No próprio dia levantei-me a pensar em tudo o que iria acontecer, sempre com AQUELA música na cabeça. Vesti uma camisa "decente", um blazer, sapatos engraxados... Estava todo arranjadinho, pronto para o momento importante. Estava lá uma hora antes. Mas no momento final...
...levei barra: O monumental Concerto para Piano e Orquestra no. 3 de Rachmaninov, tocado pelo grandioso António Rosado, na Gulbenkian, não tinha bilhetes disponíveis para estudantes. Fiquei à porta. Levei barra.
Vim para casa com AQUELA música na cabeça: Tu tururu tururu tu... Tu tururururu tururururuuu...
[Para ajudar a compreender o "Tururu", podem ouvir o Rach 3 na barra lateral...]

 

The best pick-up line ever

[Numa discoteca...]
- Olá!
- Olá...
[bla bla bla, conversa introdutória...]
- Então, em que curso é que estás?
- Matemática.
- A sério? Então diz-me lá: se 6 homens levam 6 dias a cavar 6 buracos, quantos buracos cavam 18 homens em 3 dias?

[just for the record: não foi comigo que aconteceu...]

terça-feira, fevereiro 20, 2007

 

Anonimato: tecnologia e sociedade

Antes de mais, cabe-me explicar a minha ausência destas lides da blogo-esfera. Não sei se lhe poderei chamar ausência, já que não houve propriamente permanência ou presença, dado que este blog tem apenas um artigo da minha autoria...digamos que tenho tido uma participação nómada, como convém a selvagens como eu. A explicação da minha ausência é muito simples: desastrada como sou, consegui levantar-me do sofá, tropeçar nos fios que ligavam o portátil à corrente eléctrica (sem cair, pois, mesmo no limiar da tragédia, há que manter a dignidade) e eis que o meu estimado computador dá um real mergulho no soalho da minha sala. Nunca mais deu sinais de vida e eu, em solidariedade com ele, também não. Acabado o meu período de nojo, volto então às já mencionadas lides da blogo-esfera.

Pensei escrever sobre o anonimato, porque é, de facto, um tema que me interessa e que penso que interessará cada vez mais à sociedade desta [cada vez mais] aldeia global. Aviso, desde já, que não escreverei nada que eventuais leitores não saibam ou em que já não tenham pensado. É apenas uma reflexão light (este nojento anglicismo, tão em voga, até fica aqui bem) ou ligeira, para os mais puristas. Anonimato sempre houve, desde que há autores. Nem sempre o anonimato é voluntário, já que abundam obras de autor desconhecido em qualquer cultura (que não parecem provir de qualquer intenção manifesta de ocultar a assinatura), sobretudo se ficcionarmos um recuo secular.

Não é, contudo, de séculos idos que me proponho dissertar. A banalização do telemóvel e da Internet ocorreu de uma forma tão avassaladora que, actualmente, qualquer deles se tornou uma necessidade básica, se não para a maioria dos cidadãos individualmente considerados, é certo que a sociedade depende destes novos meios de informação e de comunicação. Ora, esta democratização tornou-nos a todos potenciais “anónimos voluntários” e potenciais vítimas de “anónimos voluntários”. Se qualquer um de nós já recebeu mensagens ou telefonemas anónimos que, mais tarde ou mais cedo, descobriu não ter passado de uma brincadeira de um amigo ou conhecido, a verdade é que existem casos em que essa sorte não existe. Nem sempre os telemóveis e a Internet estão nas melhores mãos. Se uns escrevem mensagens ou fazem telefonemas de conteúdo pessoal, ofensivo ou jocoso, outros dedicam blogs ou fazem comentários a textos protegidos por pseudónimos ou pelo anonimato. É claro que, se nuns casos, estes “artifícios” são absolutamente inofensivos, noutros contêm intenções muito pouco ortodoxas. Não sou fundamentalista ao ponto de achar que os telemóveis e a Internet são coisas vis, aliás, contra mim falaria, já que escrevo (ou, melhor, vou escrevendo) em blogs e tenho telemóvel, que não dispenso por variadíssimas razões. Simplesmente, assusta-me o mau uso das mesmas tecnologias.

As sociedades das grandes metrópoles, que acompanharam a fragmentação da família enquanto instituição legalmente protegida, são extremamente individualistas. Já não se habita em extensão, mas sim em altitude, o que dificulta os contactos entre vizinhos; os horários de trabalho obrigam à rotina dos transportes públicos, onde só o contacto visual é incomodativo (porquê, se quase todos estamos sós?); ao fim do dia, quem vive sozinho, regressa a casa nas mesmas condições em que dela saiu – cansado da vida urbana, dos ruídos da cidade, carente e, novamente, repetidamente, rotineiramente, só. Onde é que eu quero chegar com isto? É simples! A solidão e o desejo secreto de companhia potenciam a vontade de comunicar, vontade essa que pode redundar em magoar, em chatear, em gozar o alheio ou em tornar-se vítima das más intenções alheias. Nem sempre as vantagens do anonimato são utilizadas por pessoas normais (sim, há casos patológicos que podem tornar uma comunicação aparentemente inofensiva em algo perigoso, desaconselhável e inconveniente) ou bem intencionadas. É possível cometer-se vários delitos, puníveis legalmente, com a má utilização destes meios de comunicação. E vai punir-se quem? O tempo que demora descobrir de quem se trata, o andamento de um processo judicial (sim, porque, muitas vezes, há matéria para tal), depoimentos, testemunhas, sentença, horas, anos perdidos … para quê? Compensará? Ou o melhor será votar a história ao esquecimento, sem consequências para o “anónimo”?

É caso para dizer: “Eles andam aí”.

domingo, fevereiro 18, 2007

 

Filhuh de peiche...

Tenho a sorte de ser filho de uma professora de português. Tive a sorte (por vezes um pouco chata, é verdade, mas nem por isso deixando de ser sorte) de, durante toda a minha vida, ver os meus erros ortográficos e de sintaxe corrigidos e, consequentemente, ser hoje capaz de escrever sem dar grandes pontapés na gramática. Curiosamente, e só reparo bem nisto agora que escrevo este post, a profissão da minha mãe acaba por afectar a minha vida. Reparem: num vaso foleiro comprado nos chineses que está à minha frente encontram-se 29 canetas, 15 das quais escrevem vermelho - é o arsenal de tortura... digo, de correcção de testes da minha mãe. A menos de um metro de mim encontra-se um dicionário e uma gramática. Na estante à minha direita empilham-se livros de prosa e poesia medieval, análise de obras, teoria da literatura e afins. Ao lado, numa prateleira, 13 outros dicionários. Até a minha vida social foi afectada: uma das críticas que eu mais ouvia no 9º ano era o facto de estar sempre a corrigir as pessoas quando conjugavam um verbo erradamente, empregavam uma pessoa inadequada, construíam mal o plural... E, recentemente, lembraram-me de um episódio passado no 8º ano que eu já tinha esquecido: uma rapariga (Diana, se não me engano...) escreveu-me, um dia, uma carta de amor. Nunca cheguei a perceber bem se ela estava a gozar ou se era verdade; só sei que encontrei a carta cheia de erros ortográficos, peguei numa caneta vermelha, corrigi-os e devolvi-lhe a missiva! Hoje rio-me, na altura provavelmente também me ri, mas agora tenho noção de que o que fiz foi horrível. A não ser que a carta fosse uma brincadeira...
Fora todas estas implicações que a profissão da minha mãe teve na minha vida e que me continuarão a afectar de tal forma que permanecerei virgem até aos 50, crescer-me-ão pêlos nas orelhas e nos ombros, nascerá uma verruga castanha e saliente bem no meio do meu nariz e as minhas extremidades apodrecerão e cairão sozinhas, há momentos de prazer. Esses momentos são quando a minha mãe traz testes para corrigir em casa e nos podemos deliciar a ler as barbaridades que lá estão escritas. Alguns exemplos:

Elabora uma frase em que empregues o verbo "ranger":
Eu gosto muito de ver o ranger do texas.

Elabora uma frase em que empregues a palavra "toucador":
O meu pai bateu na mesa sem querer e depois disse "Ai! Toucador!"

Sequesso = Sexo

Fula grande = Flagrante

Cabo das Estrumentas = Cabo das Tormentas

A grande guerra do Solnado = A batalha do Salado

Bacho = Baixo

Come-se = Comece

Adiantarse-i-ão = Adiantar-se-iam

Perante tais monumentos à ignorância gramatical, será que alguém defende que os audiolivros são boas apostas para a educação das crianças? É que há quem escreva "adiantarse-i-ão" e leia "adiantar-se-iam"...


sábado, fevereiro 17, 2007

 

Diga lá mais alto...? "Era uma vez"?

É com profunda tristeza que vejo banalizarem-se agora os audiolivros. É uma moda que me parece estar a começar a pegar e que, caso isso se verifique, vai ser um rombo enorme na já arrombada cultura dos portugueses - que, muito tugamente, nem assim põem trancas à porta. Se hoje em dia já se lê pouco, o que acham que vai acontecer se os audiolivros se entranharem na vida cultural dos portugueses? (Yeah, right, como se "vida cultural" e "portugueses" pudessem estar juntos na mesma frase...) Como é possível que se queira aumentar a cultura e elevar o nível intelectual das pessoas dando-lhes livros para ouvir em vez de livros para ler?
Quer dizer, na verdade os audiolivros nem são tão maus assim! Eu acho que os audiolivros são excelentes, são uma ideia brilhante e o inventor deste tipo de livros falados (se é que há um só "inventor") devia ser galardoado com o Nobel da paz. Sim, são excelentes, sim, são óptimos, sim, são uma maravilha. MAS PARA AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS VISUAIS! E não, a estupidez e a preguiça não contam como deficiência visual...
Acho que, surgindo agora os audiolivros, as pessoas sentem o "trabalho" de ler muito mais facilitado: basta comprar o CD, ouvir enquanto estou no carro ou então ripo para MP3 e posso ouvir a caminho do trabalho (ou durante)... E é assim que se lê no séc. XXI! Ler é algo que tem magia própria, ler dá-nos a oportunidade de imaginarmos tudo o que lá está e o que se esconde por detrás, dá-nos a hipótese de criar as vozes das pessoas, as cores, os cheiros, a luz, tudo! Lido por alguém para que nós possamos ficar sentados a ouvir é, simplesmente, retirar toda essa magia. No audiolivro do Codex 632, TODAS as personagens terão a voz do Ricardo Carriço. As paredes terão a voz do Ricardo Carriço. As cores, os cheiros, o céu, as nuvens, o som, tudo será a voz do Ricardo Carriço. Não é um bocadinho maçador? Onde é que fica, então, a voz da nossa imaginação?
Não considero que seja uma desculpa válida o facto de "hoje em dia a sociedade obriga-nos a uma vida muito agitada, não há tempo para ler"... Tretas! O tempo que uma pessoa demora a ler um livro para si própria é bastante inferior ao tempo que alguém o demora a ler em voz alta. Estar sentado a "ouvir o livro" (a expressão é estranha, até custa escrevê-la...) leva bastante mais tempo do que estar a LER o livro. "Ah, mas eu não vou estar só a ouvir o livro, vou estar a fazer outras coisas ao mesmo tempo...", e como é que se consegue, então, prestar a devida atenção ao que se está a ler/ouvir ler? "Ooops, agora distraí-me aqui com isto, não entendi o que ele disse, vou rebobinar para ouvir de novo." - dobro do tempo perdido!
Leitores do Steadfast Tin Soldier (hein? LEITORES, e não OUVINTES... Embora já me tenha passado pela cabeça algumas vezes produzir uma versão audio de alguns posts... Mas não o fiz exactamente por isto!), peço-vos para não caírem na tentação de passar a ouvir os livros em vez de os lerem. Não digo que não comprem nenhum, nem que seja só pela simples curiosidade de saber como é... Eu, possivelmente, irei comprar um. Dos mais baratos, por dois motivos: Primeiro, porque não vou dar um dinheirão por um livro falado. Segundo, porque audiolivros mais baratos significam menor despesa na concepção, o que significa narradores mais mal pagos, o que significa narradores menos experientes ou com menos qualificações, o que significa que aumenta a probabilidade de podermos encontrar algumas gralhas. Ou podemos ter a "sorte" de ter um narrador fanhoso, ou ciciante, ou sopinha de massa... E isso era post certo neste blog, com direito a audio e tudo!

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

 

Farturas e pipocas

Ontem, dia de referendo nacional sobre a despenalização do aborto, fui almoçar a casa da minha avó. Passei em frente à escola primária lá da "terriola", onde as pessoas vão votar, e observei, num misto de surpresa e de agrado, que uma roulotte com farturas e pipocas estava MESMO à porta. Isto é bonito, é querido... É também um grande negócio! Sim, porque uma pessoa vai votar num dia triste e chuvoso como ontem e depois o que é que lhe apetece fazer? Ir para casa descansar? Tocar piano? Esperar aninhados no sofá em frente à televisão para ver o Gato Fedorento? NEM PENSAR! A gente quer é pipocas e farturas e churros e fritos com carradas de óleo e molhangas doces pelo meio feitas sabe-se lá com quê! Em Lisboa não vi nada disto. Não vi mulheres gorduchas, cabelo louro como o óleo de fritar churros, com o buço por rapar, a gritar as suas farturas. Não vi carrinhos vermelhos pelas ruas com senhores de bigode grisalho a vender pipocas doces, salgadas e com sabor a morango. Não vi nada disto. A cidade tem um ambiente muito mais austero, mais sério. Não cheira tanto a palhaçada. Quando passei por aquela roulotte, que tinha acesas as luzes coloridas, tal como quando há feira ou quando são as festas lá da terra, achei que era um bocadinho de palermice a mais, sabia-me a uma oportunidade para ir comer farturas e não a uma oportunidade para decidir sobre a despenalização do aborto. E será que os óleos a ferver e os vapores que saem das chaminés terão algum efeito no discernimento das pessoas? Quantos SIM terão votado NÃO sob o efeito alucinogéneo dos vapores de óleo das farturas? E quantos NÕES terão virado SINS?
Estou para aqui a falar, mas a verdade é que eu até acho piada a estas coisas de terriola... É um Portugal diferente de Lisboa. Qualquer sítio a que vá em Portugal acho sempre muito menos evoluído do que Lisboa, com as coisas menos disponíveis, lugares mais contidos... Mas têm a sua piada! Lembro-me de há dois anos ter feito um curso de verão em Bragança e ter entrado em pânico por saber que a FNAC mais próxima estava no Porto. Isso, em boa verdade, não me interessava para nada, não precisava de lá ir, mas custou-me um bocado aceitar o facto de estar tão longe de algo que, para mim, está a 10 minutos de distância. Tal como quase qualquer outra coisa em Lisboa. Eu demoro mais tempo na casa de banho do que a chegar a algum lugar em Lisboa! (Ok, not true... Mas quase...) Por falar em Bragança... Uma foto divertidíssima que tirei na primeira noite que fui sair com o resto do pessoal do curso (Bragança é um sítio lindo para passear à noite no Verão). A lista de prémios do torneio de sueca do Grupo Desportivo de Bragança:

[Ana, 'bora organizar o Torneio de Sueca da Associação de Estudantes do Instituto Gregoriano de Lisboa? Primeiro prémio: uma vitela!]

 

Eu, João Pedro

Não, não é uma tentativa de escrever um livro a denunciar os escândalos de corrupção no futebol nem uma biografia sobre como passei de gigolo a estudante de música...
Sabem aqueles questionários a que se responde e que depois dão um resultado qualquer sobre nós, aquelas coisas que se fazem quando não temos mais nada para publicar no blog, aqueles questionários online que reflectem a nossa personalidade e o nosso humor mas apenas nesse momento porque se o fizermos 5 minutos depois dá-nos um resultado completamente diferente? Fiz uma data deles. Não tinha nada para publicar aqui... Olha, cá ficam! Divirtam-se a lê-los e a fazerem-nos vocês mesmos!

[Curioso... É uma das minhas músicas preferidas! =) ]




You Are 27 Years Old

Under 12: You are a kid at heart. You still have an optimistic life view - and you look at the world with awe.

13-19: You are a teenager at heart. You question authority and are still trying to find your place in this world.

20-29: You are a twentysomething at heart. You feel excited about what's to come... love, work, and new experiences.

30-39: You are a thirtysomething at heart. You've had a taste of success and true love, but you want more!

40+: You are a mature adult. You've been through most of the ups and downs of life already. Now you get to sit back and relax.

What Age Do You Act?


You are an Atheist

When it comes to religion, you're a non-believer (simple as that).
You prefer to think about what's known and proven.
You don't need religion to solve life's problems.
Instead, you tend to work things out with logic and philosophy.

What's Your Religious Philosophy?


Your Scholastic Strength Is Deep Thinking

You aren't afraid to delve head first into a difficult subject, with mastery as your goal.
You are talented at adapting, motivating others, managing resources, and analyzing risk.

You should major in:

Philosophy
Music
Theology
Art
History
Foreign language
What Should You Major In?


You Should Be a Musician

You have a rare combinations of talents: an ear for music, nimble fingers, and the willpower to practice.
You could master almost any instrument you choose to play (if you haven't already!)

What Sort of Artist Should You Be?

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

 

Funcionando à manivela...

Peço imensa desculpa a todos os leitores do The Steadfast Tin Soldier pela fraca produtividade dos últimos dias. Acontece que me falha a inspiração (não só para escrever - se olharem para o meu caderno de composição percebem do que estou a falar...), e sem essa matéria-prima não é possível produzir o que quer que seja.
Sinto-me especialmente mal. Não só por causa da constipação, não só, mas também por ter empanturrado este blog de posts nos últimos tempos e ter, de repente, quebrado o ritmo de forma tão acentuada.
No que toca à Witch, há pelo menos um impedimento de ordem técnica que a impede de escrever. Esperemos que, ultrapassado esse "ligeiro" inconveniente informático, volte cheia de inspiração para poder corrigir mais esta falha minha.
O mais cedo possível retomarei/emos a actividade bloguística.
Até breve,
João Pedro

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

 

Referendo: Campanha versus demagogia

A campanha está nas ruas, nas televisões, nas rádios. Os movimentos de cidadãos parecem ter saído do anonimato em que as tertúlias que os formaram os encerravam. As consciências agitam-se, ainda mais, porque parece tratar-se de uma questão de consciência e, ao contrário daquilo a que o eleitorado está habituado, não de uma questão política. Não quero dizer, contudo, que a realização do referendo não o seja, porque é, e sempre foi, uma questão política, de tal ordem que foi incluída no programa do actual Governo. Já a reflexão e a consequente resposta que a pergunta motiva não é de teor político...e a campanha irá, obviamente, contribuir para a formação do veredicto final do eleitorado. E a problemática que quero sublinhar é exactamente essa: até que ponto é que a campanha conduz o sentido de voto da maioria do eleitorado português? Por outras palavras: até que ponto é que sucessivas acçõpes de campanha poderão conduzir a uma alteração da norma penal em causa? Procurarei fazer uma avaliação objectiva do poder da campanha (objectividade essa que nunca poderá ser total, uma vez que, a partir do momento em que se trata de uma opinião que é, na sua essência, subjectiva, a vinculação total à objectividade parece-me surreal. Assim procurarei, no mínimo, não ser demagógica. O resto, deixo à consciência de quem me ler).
Ora, parece-me que a campanha eleitoral não é mais do que uma (desculpem o termo, mas é disto que estamos a falar, por muito sensível que seja a questão a referendar) publicidade que quer os partidos, quer os movimentos de cidadãos, fazem à resposta que defendem. É, contudo, uma publicidade atípica, já que não estamos a falar em empresas que visam o lucro como objectivo último...mas, fora isso, tem (quase) tudo o que uma campanha publicitária tem, inclusivé tem o pior que uma capanha publicitária pode ter: demagogia. Lá iremos. O que é que a campanha tem que se aproxime da publicidade? Divulgação pela comunicação social, nas ruas (já se disse), merchadising, caras conhecidas para dar um ar credível à coisa, argumentos para "comprar" um determinado sentido, para convencer que uma solução é melhor do que a outra. O problema não é o facto de uma campanha se aproximar da publicidade (qual é a alternativa?), é o facto de a sociedade não saber "lidar" com ela. Todos somos ensinados a ler, a escrever e a contar...sabemos ler livros e escrever textos...quanto às contas, quem as não souber fazer, tem à disposição máquinas que substituem toda a aprendizagem que o ensino obrigatório faculta. Contudo, a maioria de nós vê mais televisão do que lê, escreve ou faz contas. E é um facto que não sabemos ver televisão, o porquê das notícias terem certa prioridade, o porquê da parcialidade dos jornalitas (por vezes tão evidente ao ponto de ser chocante). Não sabemos e, mesmo que saibamos, nada podemos fazer. Tudo isto para dizer que, não tendo consciência das subtilezas que constroem a informação que adquirimos, torna-se difícil detectar demagogias. E, infelizmente, a campanha para o referendo de dia 11 de Fevereiro tem primado pela demagogia e pelo mau gosto. Não está em questão a posição que defendo, refiro-me a factos. Passo a enunciar:
- No programa Prós e Contras uma defensora do "Não" diz, a certa altura, a propósito do prazo de 10 semanas, o seguinte: "Em Inglaterra já começam chegar à conclusão de que o prazo é excessivo"...pois, o problema é que a lei penal inglesa permitia o aborto até às 24 semanas...(sem comentários);
- Os movimentos denominados "pró-vida" são, por si, demagógicos...quererão dizer que o "sim" defende atentados à vida humana? Ou será que o "não" se esqueceu que o aborto clandestino mata, não apenas o feto (com metodos pouco ortodoxos, desde mezinhas a esmagamentos do feto, processo que conduz a infecções gravíssimas, de alto risco para a mulher), mas a mulher, essa sim, que tem todas as suas funcionalidades biológicas definidas, essa sim um ser humano completo e dotado de personalidade jurídica, essa também vida?
- O argumento da vida por si só: começa na concepção. Muito bem, então estamos a falar também da ilegalidade da pílula do dia seguinte, certo? E estamos a falar também da ilegalidade da existência de fármacos com propriedades abortivas à venda nas farmácias...para quem os conhece, é só escolher...Em primeiro lugar, desde o espermatozóide, ao óvulo, ao tumor, estamos a falar em vida, se a quisermos entender em rigor. Em segundo lugar, a ideia de que a vida começa na concepção tem origem religiosa...ahh! Já me ia esquecendo que a própria Igreja afasta a uso de métodos contraceptivos! Não podia haver visão mais desfazada da realidade do que conceber o sexo única e exclusivamente para procriar...Continuando, esta ideia do sexo unicamente para fins de "natalidade" vem da dissociação ou da desconstrução que a Igreja fez das ideias de prazer e de Bem...o que dá prazer não pode contribuir para o bem. E a inversa é, também, verdadeira. Eu devo dizer que coloco a questão da vida numa outra perspectiva: na dignidade da vida, da mãe e da criança. Toda a mulher deve ser apoiada antes, durante e após a sua gravidez, medicamente acompanhada e devidamente informada. Defender a aborto não é negar isto à mulher. Por outro lado, toda a criança deve ser desejada e ter uma infância condigna.
- O "não" adora dizer que, despenalizado o aborto, o mesmo conhece um aumento exponencial...pudera! Uma vez controlados pelo Serviço Nacional de Saúde são contabilizados! E, quer queiramos, quer não, é impossível contabilizar com rigor o número de abortos clandestinos;
- O "não" adora dizer que o "sim" não defende a prevenção, possibilitando à mulher a prática do aborto quando esta "quer e lhe apetece"...estas opiniões são verdadeiramente chocantes, desde logo, porque quem defende o "sim", defende o aborto como último recurso e que a decisão de o fazer seja medicamente acompanhada. Quererá isto dizer que, possibilitanto às mulheres um último recurso, se deixe de defender o planeamento familiar? Curiosamente, grande parte dos defensores do "não" eram os mesmos a voltar as costas à questão da educação sexual nas escolas...e agora vêm falar de prevenção como se a tivessem defendido desde o início? A menos que não considerem a educação sexual como forma de prevenção, o que me espanta, já que é suposto que esta aborde métodos contraceptivos...E outra coisa...fazer um aborto porque "apetece"? Só pela cabeça de algum psicopata passa uma ideia destas. Será que o facto de uma mulher fazer um aborto é revelador da sua incapacidade de sentir e torna-a uma assassina?
- Porque é que o "não" insiste em não referir o recurso, cada vez mais democratizado, a clínicas estrageiras e portuguesas? (Sim, porque há médicos e profissionais de saúde a lucrar com o aborto clandestino, naquilo a que Maria José Morgado chamou de "corrupção"...é um facto)...quem pode, pode...é, por isso, (também) uma questão social...
- A divulgação de imagens de fetos esquartejados. Definitivamente, atingiu-se o auge da demagogia! Trata-se muito provavelmente de fetos esquartejados por quem desconhece as práticas, os meios, as condições em que deve ser feito um aborto...e estamos a chegar onde? Exactamente! Ao aborto clandestino...exactamente o recurso que a lei vigente obriga as mulheres a tomarem e que os partidários do "não" não querem ver alterada...é o "não" a negar-se a si mesmo.
Por fim, a falha da pergunta: o prazo...como será depois das 10 semanas (essas, também, difíceis de aferir)? A alternativa seria a não-existência de prazo, o que não me parece viável. Parece que depois da 10 semanas, já não poderá a mulher recorrer ao aborto a pedido, e será criminalizada se o praticar...trata-se de uma questão complexa, bem como a da justificação (quais seriam os critérios de aceitação de uma justificação como válida e como aferir a sua veracidade?)...
O que vos apresentei não teve como objectivo desrespeitar o "não", mas sim, os procurar desconstruir a demagogia, que tem debilitado os movimentos que defendem tal resposta. Procurei fazer como que uma "moção construtiva", já que entendo que há questões pertinentes nas quais os defendores do "não" poderiam e deveriam pegar, em nome da seriedade da questão colocada. Aproveito para referir que, também o "sim" tem acções que, em certa medida, descredibilizam a questão colocada, transformando determinadas acções de campanha em verdadeiros festivais de emancipação feminina (de bairro), que envergonha qualquer mulher que lute pela dignidade da mulher, enquanto género. Contudo, é do lado do "não" que me parece vir a maior demagogia, demagogia essa, que procurei descontruir, pois não esclarece ninguém.
Por último, apelo ao voto, seja qual for o seu sentido. A sociedade é chamada a votar; é um direito e um dever cívico...é uma forma de respeito por quem, algum dia, lutou por não o poder fazer. Por conseguinte, apelo à vinculatividade do referendo (artigo 115º, nº 11 da Constituição da República Portuguesa), esperando que o número de votantes seja superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento. Como diria um reputado constitucionalista, Jorge Miranda, a não-vinculatividade do referendo é dar um poder de veto aos abstencionistas. Não é virando as costas à questão que ela se resolve...

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