Este Blog foi um programa de rádio The Steadfast Tin Soldier: janeiro 2007

terça-feira, janeiro 30, 2007

 

Benvinda!

Serve o presente post como um marco na história deste blog. O co-autor que procurava há muito foi, finalmente, encontrado. Neste caso, uma co-autora. Chama-se Tatiana, 19 anos, estuda na Faculdade de Direito de Lisboa.
Já há uns tempos que procurava alguém que eu considerasse ter uma escrita à altura do que pretendo para este blog: uma escrita pensada, inteligente, correcta (xim, nd dexas koixax k aparexem pur aí na net)... Uma escrita madura =) Penso que corresponderá a 100% (ou mais!) àquilo a que os meus/nossos ;-) leitores estão acostumados.
Resta-me apenas desejar as boas vindas à Tatiana. Make yourself at home! =)

"Mi casa es su casa."
- o que qualquer latino-americano
diz em qualquer filme americano em que apareça.

 

Açúcar e canela

Da pele enegrecida desprende-se o odor de um corpo humano privado da água e do sabão. Os olhos pequenos, negros, brilhantes na sua baça maneira de brilhar, escondem-se por baixo de um gorro azul escuro já esburacado, sujo, velho. A cara, marcada pela rua e pelo frio, coberta pela barba desacertada, mal feita, sem o rigor que a água, o sabão e um espelho permitiriam. Exige pouco a si próprio - a esperança em si é ainda menor do que a que depositam nele os olhares de quem passa.
Costuma passear por Lisboa, admirando a cidade. Invariavelmente a pé. Quase sempre à noite, quando os olhares menos o incomodam e quando menos incomoda os olhares. Esta noite passeia-se por Belém. Sustém-se nas paragens de autocarro, olha os caixotes do lixo, tentando ser discreto (mas, afinal, nem se importa muito se acaba por o ser ou não) enfia um braço lá dentro. Num dia de sorte talvez tacteie o resto de um queque, um pão semi-mordiscado à pressa, um chocolate que ficou pela metade. Tira-o para fora do caixote, cuidadoso, alheio aos espectadores que, sentados na paragem e quantas vezes de barriga cheia, acham tudo aquilo um nojo. Nojo, também, sente-o ele por ter que comer estes restos do lixo de outros, mas a fome fala sempre mais alto. Além do mais, os que vivem na calçada não podem ter nojo - isso é luxo para quem não dorme ao relento.
Passam por ele, indiferentes, cegos, não o vêem, dois jovens. De casacos quentes, luvas, cachecol, falam do concerto no CCB. Entram nos Pastéis de Belém. Saem, fartos, gula saciada, de pastéis na mão e na boca, simples doces que não lhes saciam a fome - que não têm - mas que tornam mais leve o espírito e a carteira - que têm. Os olhos negros seguem-nos e recordam um passado que já quase se apagou da memória, de há anos sem conta, que talvez não sejam tantos assim mas que pela dureza com que passaram se converteram numa vida inteira, um passado em que ele pôde comer pastéis de Belém. Sente-lhes o ligeiro travo do limão, o creme doce e quase líquido, sente o açúcar e a canela. Decide-se: antes de o frio da noite e o vento soprante lhe congelarem a vida ainda comerá um pastel de Belém.
Volta para o seu lar, dois cartões estendidos a um canto abrigado da aragem nocturna, uma manta que se vai desfazendo aos poucos. Por companhia tem um rádio de bolso velho, estragado, que funciona só quando está de bom humor e quando os caixotes do lixo guardam tesouros como pilhas ainda não totalmente gastas. Adormece.
Acorda. Segue a rotina de todos os dias: passeia-se por alguns lugares. Aqui e ali, em escadarias do metro, senta-se de mão estendida. Repetirá esta rotina por quatro dias, em que apenas gastará o dinheiro que lhe deixam na palma esticada no pão que não pode deixar de comer e no vinho de que não abdica. Ao fim dos quatro dias tem no bolso, economizados, poucos cêntimos a mais dos oitenta que custa o pastel. Promete a si próprio: durmo, amanhã de manhã acordarei para ir comer um pastel de Belém.
Dia seguinte, um Domingo, 9h da manhã, Pastéis de Belém, uma multidão comprime-se dentro da pastelaria para serem os primeiros a comprar pastéis acabados de fazer - chegarão para todos e ainda hão-de sobrar, mas todos querem ser os primeiros. O gorro azul escuro, esburacado, sujo, velho, luta também para poder gastar os seus oitenta cêntimos tão bem poupados num único pastel. Puxa, empurra, dá uso aos cotovelos e consegue chegar à caixa, no meio de toda aquela gente que o continua a empurrar e a puxar. O olhar da rapariga que o atende não esconde a surpresa de ver aquele gorro azul escuro, esburacado, sujo, velho e aquela barba por fazer. Diz, profissionalmente, sem no entanto mudar o olhar com que o percorre do gorro à camisa desfraldada, que o balcão e a gente aos empurrões não permitem olhar até aos sapatos gastos:
- Faça favor...?
E responde timidamente, não conseguindo ocultar alguma vergonha que nem ele próprio sabe explicar:
- Um... - e estende as moedas que já guardava na mão.
- Açúcar e canela?
O "sim" surge como um ligeiro aceno da cabeça, repetido três vezes, quase imperceptível, vergonha que ainda não consegue explicar mas que entende porque vive com ela todos os dias. Estende-lhe o pires a rapariga, sobre o pires o guardanapo, assente no guardanapo um pastel de Belém, sobre este o açúcar e a canela polvilhados em desordem. Mais gente que entra, pouca a sair, ele pensa em ir-se embora para não empatar mais - que essa é a tal vergonha: sente-se constrangido por estar no meio dos que são têm mais do que ele, sente-se um empata. Pega no pastel com o guardanapo, leva-o na mão para o poder comer quando estiver sozinho. Atravessa os puxões e os empurrões, desvia-se dos cotovelos até que um lhe toca no braço. O coração salta, o susto de um quase desespero, cai o pastel no chão, açúcar e canela espalhados junto aos sapatos. Por dois segundos arregala bem os olhos, quando se prepara para o apanhar alguém o empurra. Um pé no pastel, sem querer, peço desculpa, metade da massa e do creme esborrachados. Uma lágrima começa a surgir-lhe no canto do olho. Quatro dias a guardar tudo o que podia para depois comer um pastel. Quatro dias em que guardou tudo na esperança de adoçar a vida durante um minuto, de a poder polvilhar com açúcar e canela. Quatro dias espalhados no chão.
A lágrima que se preparava para sair do olho esquerdo volta para dentro, enxuga-a com um sorriso forçado para si próprio. Pensa que chorar é também luxo de quem não dorme ao relento. A tristeza não acabaria aqui, a vida já acabou muito antes.
Sai da pastelaria e, com o mesmo sorriso ainda forçado que lhe contém as lágrimas, saúda o sol da manhã. Segue em frente, atravessa a estrada sob um gorro azul escuro, esburacado, sujo, velho. Está um lindo dia para passear nos Jerónimos.
João Pedro Nunes
30 Jan. 2007

domingo, janeiro 28, 2007

 

Remorsos

Hoje estou particularmente sensível. Recordo o episódio de há uns dias atrás, na baixa: uma senhora já velhinha aproxima-se de mim e perguntou-me se tinha algo que lhe pudesse dar, porque tinha-se-lhe acabado a reforma e não conseguia pagar os medicamentos. A senhora estava, surpreendentemente, arranjada, bem vestida. Aquela imagem não cabia na minha cabeça como alguém que estivesse a pedir. Incrédulo. Isso reforçou em mim a ideia de que talvez ela estivesse a dizer a verdade e que necessitasse mesmo do dinheiro. Talvez por isso tenhamos ficado parados, um pouco, a olhar para ela. Entre palavras murmuradas que ninguém teve coragem de dizer audivelmente, dissemos que não, seguimos em frente. Deixou-me um nó na garganta, deixa sempre. Gostava de poder ajudar. Mas não posso. Ou, pelo menos, não sempre...
O que me deixa com remorsos foi o facto de me ter lembrado deste episódio quando estava a gastar €28 n'«A Invenção dos Sons», um livro sobre compositores portugueses que será, possivelmente, apenas mais um para a estante, que nunca lerei na totalidade. E no qual gastei 6 contos. Deixou-me com remorsos...

sábado, janeiro 27, 2007

 

A minha pátria é a música

Nesta casa há magia. Entra-se e é possível senti-la. Nesta casa a magia anda pelo ar, vagueia nos corredores e não há lugar nenhum onde ela não chegue. Esta magia é a música e esta casa é o IGL.
No mundo tecnológico e moderno de hoje em dia, no meio de uma avenida do centro da capital, povoada de prédios altos num cinzento jardim de vigas de aço e betão armado, sobrevive ainda uma vivenda de um andar onde a ferramenta básica é um instrumento do séc. XVIII e a matéria-prima são as pessoas. Crianças traquinas são filtradas pelo seu próprio interesse e perseverança até se transformarem em jovens amantes de música. A partir daí, a selecção natural do talento e do esforço encarrega-se de (e)levar uma fracção desses jovens a tornarem-se músicos profissionais. Mais do que aprender uma arte ou preparar-se para uma profissão, aqui cresce-se. Meninos e meninas transformam-se nos homens e mulheres do futuro. Não se formam aqui, obrigatoriamente, homens de barba rija, homens do futebol, do escarro no chão, dos piropos desesperados, da jola e do tremoço, figuras quase características do séc. XIX - não fosse o facto de que os jogos para a Superliga, nessa altura, ainda não passavam em directo... Neste instituto formam-se homens e mulheres que sabem olhar o mundo de outra perspectiva, que conseguem identificar o belo escondido no que os rodeia, que aprenderam a sentir. Formam-se pessoas com o dom da música, um dom que durará para toda a vida. E se o nosso corpo guardasse, como marcas, memórias do que fizemos, todos os que por aqui passaram teriam estampado na testa, com orgulho, "Instituto Gregoriano de Lisboa".
Quando aqui entrei pela primeira vez senti a magia no ar sob a forma de música, "a mais sublime de todas as artes". Passei pela placa metálica na parede exterior e empurrei a porta de madeira. Subi os poucos degraus das escadas da entrada e comecei a sentir a música: pianos soavam por todo o lado, estilos e tonalidades totalmente opostas uniam-se numa atmosfera leve, sons longínquos fundidos numa só música com pedacinhos desta e daquela que são mais conhecidas, uma neblina harmónica que ajuda a esconder os pianos por detrás das portas e paredes e tectos espectadores. Por estas salas não passaram os melhores. Mas passaram, sem dúvida, os maiores nessa grandeza que é tocar, escutar, amar a música. Porque, tal como uma pessoa, a música é "amável". Só é preciso abrir os ouvidos. Mas, fundamentalmente, abrir o coração.

(Escrito a 25 de Janeiro de 2007, a meio de um UCAL e um bolo de chocolate, sentado no café, de frente para o IGL)

sexta-feira, janeiro 26, 2007

 

Hommage à Jorge Gabriel et sa génialité

O povo lusitano devia sentir orgulho em ter um apresentador de televisão como o Jorge Gabriel. Já não basta termos programas da manhã, ainda têm que ser com o Jorge Gabriel?
Este post será curto: apenas o suficiente para salientar a falta de ética deste grande homem da estúpida palhaçada e da inclinação do nariz em ângulos superiores a 45º quando, num daqueles programas da manhã que somos obrigados a ver enquanto tomamos o pequeno-almoço porque a televisão ficou ligada na RTP e temos preguiça de mudar de canal, um grupo de actores vestidos de galinhas foi apresentar o seu espectáculo infantil. A atitude extremamente correcta e que demonstra um profundo entendimento da ética profissional deste senhor foi, enquanto as "galinhas" representavam um pouco daquilo que é o seu espectáculo, o Jójó rir-se e, no fim, para cortar a palavra e passar a outros, dizer naquele ar de gozo pitinha-style que todos sabemos como é e numa atitude de gandas-palhaços-que-vocês-são-hehehe: "Ok..."
Quanto a eles não sei. Mas eu ficaria uma galinha muito constrangida...

P.S. - A genialidade do apresentador surge quando diz "... o mundo está sobre ameaça"... Não é um lapsus linguæ (como dizer "minete em Sol maior" em vez de "minuete"... À frente do professor de educação vocal... E desatar a rir e a corar logo a seguir... *coff*coff* ups...! sim, fui eu... =$ *coff*coff*)... A não ser que tenha sido um lapsus linguæ repetido três vezes seguidas! Ah, Jójó, essas aulas de português fizeram-te bem!

terça-feira, janeiro 23, 2007

 

 

Soldadinhos de chumbo

Finalmente, um post que faz jus ao nome deste blog.
Algumas pessoas já me perguntaram acerca da minha colecção de soldadinhos de chumbo (embora eu tenha uma foto do expositor no meu Hi5...), há quem tenha achado engraçada a minha colecção e há até quem me chame "soldadinho"! Este post é dedicado a essas pessoas e a todas as outras que, como eu, gostam de soldadinhos de chumbo.
Tive os meus primeiros soldadinhos de chumbo por volta dos 12 anos. Até lá, confesso, nunca tinha achado grande piada a essas coisas... Mas, numa ida à feira da ladra numa das suas habituais cruzadas por velharias e antiguidades, a minha mãe viu quatro soldadinhos de chumbo e decidiu comprar-mos. Achei giro, eram engraçados, mas não lhes liguei muito. Durante 2 anos ficaram guardados numa gaveta, embrulhados em guardanapos para não se partirem.
Dois anos passados, comprei o primeiro soldadinho de uma daquelas colecções que são sempre lançadas em Setembro (que até irrita de tanta publicidade que passa na televisão!). Comprei o segundo... O terceiro... E no meu 14º aniversário tinha como prenda um envelope com a assinatura de toda a colecção! I freaked out... Demorou mais de um ano até conseguir completar toda esta colecção de soldadinhos de chumbo da 2ª Guerra Mundial, num total de 60 figuras. Acabada a colecção, comecei a comprar alguns soldadinhos de chumbo quando me lembrava. Algumas edições de outras colecções que encontrava de vez em quando e, quando juntava dinheiro para isso e não me importava de o gastar, um ou outro soldadinho "melhorzito", da marca Soldat, numa loja que os vende na Rua do Ouro.
No Natal de 2005 tinha à minha espera uma prenda fantástica: um soldadinho de chumbo de colecção das Distler Figures, à escala 1:24. Um "King's Dragon Trooper" (sei lá traduzir isto...) britânico de 1815, grande, pesado, lindo, com um detalhe de pintura fenomenal. I freaked out too!
A minha colecção de soldadinhos de chumbo foi crescendo: uns comprava eu, outros ofereciam-me... A colecção tem, actualmente, 79 soldadinhos de chumbo, embora nem todos estejam aqui: optei por não incluir um que tenho repetido, outro que não é pintado e é feito numa liga metálica não venenosa (sem chumbo) e um terceiro que é feito de resina sintética e não de metal. É uma colecção relativamente cara e um investimento pouco dinâmico, já que o dinheiro que se gasta em soldadinhos é para eles ficarem lá parados no expositor a "olhar" para mim, acaba por não haver grande interacção com os soldadinhos de chumbo. Além disso, pode ser um pouco perigoso (especialmente se houver crianças pequenas por perto), porque o chumbo é venenoso e cancerígeno. Mas eu também não os ando a trincar... E o mais provável é que estes soldadinhos não sejam todos em chumbo, mas sim numa qualquer liga metálica que inclua também chumbo.
Bem, para todos os que também sentem assim uma ligeira empatia com os soldadinhos de chumbo, aqui ficam fotografias da colecção. Não são de grande qualidade e estão um pouco desfocadas nos cantos... Mas uma dia destes pode ser que eu faça umas melhores =)


Estes foram os meus primeiros soldadinhos de chumbo. Não sei muito sobre eles, mas acho que é mais ou menos evidente que se tratam de dois porta-estandartes (o primeiro escocês e o segundo inglês ou francês) - ambos sem os estandartes, já vinham assim - um soldado possivelmente turco e um oficial francês da época napoleónica.


Cavaleiro da Ordem do Templo (séc. XII), centurião romano e, salvo erro, archeiro babilónio.


Sinceramente, não me lembro bem do que são estes dois... Mas penso que sejam ambos soldados de infantaria, britânico e francês respectivamente.


"Teniente de Dragones", Espanha, 1808


"The King's Dragon Trooper" britânico, 1815


George Patton, Adolf Hitler e Joseph Stalin


Porta-estandarte a cavalo das SS, Alemanha, 1939-45


Soldado de Infantaria da Wehrmacht, Alemanha, 1940
Tenente dos US Marine Corps, Estados Unidos, 1945
Capitão das SS, Alemanha, 1940
General do Estado-Maior do British Army, Grã-Bretanha, 1942
Soldado de Infantaria do Exército Imperial, Japão, 1942


Soldado de Infantaria do British Army, Grã-Bretanha, 1943
Soldado de Infantaria da Wehrmacht (uniforme de neve), Alemanha, 1943
General de Divisão da Armée de Terre, França, 1940-1944
Tenente Piloto-Aviadir da Luftwaffe, Alemanha, 1941
Soldado de Infantaria do Exército Soviético, União Soviética, 1943


Cabo dos Afrika Korps da Wehrmacht, Alemanha, 1942
Soldado de Infantaria de Marinha, União Soviética, 1943
Capitão de Artilharia da Wehrmacht, Alemanha, 1944
Sargento de Infantaria do US Army, Estados Unidos, 1943
Panzergrenadier da Wehrmacht, Alemanha, 1944


Sargento Piloto-Aviador da Royal Air Force, Grã-Bretanha, 1940
Soldado Condutor-Auto da Wehrmacht, Alemanha, 1941
Tenente Piloto-Aviador da US Army Air Force, Estados Unidos, 1943
Capitão Piloto-Aviador da Armada Imperial, Japão, 1941
Soldado Paraquedista do US Army, Estados Unidos, 1944


Caçador de Montanha da Wehrmacht, Alemanha, 1940
Sargento do VIII Exército do British Army, Grã-Bretanha, 1943
Comandante de Submarino da Kriegsmarine, Alemanha, 1943
Soldado de Infantaria da Armée de Terre, França, 1940
Soldado Paraquedista da Luftwaffe, Alemanha, 1941


Tenente Piloto-Aviador da US Navy, Estados Unidos, 1942
Gendarme da Wehrmacht, Alemanha, 1941
Coronel do Exército Soviético, União Soviética, 1945
Soldado de Infantaria do Regio Esercito, Itália, 1943
Soldado Gurka do British Army, Grã-Bretanha, 1942


Miliciano do Regimento de Juventudes Fascistas do Regio Esercito, Itália, 1941
Batman da Royal Navy, Grã-Bretanha, 1944
Oficial do Exército Imperial, Japão, 1942
Comando do British Army, Grã-Bretanha, 1944
Soldado de Infantaria da Armée de Terre de Vichy, França, 1942


Soldado Legionário das Forces Françaises Libres, França, 1942
Condutor-Auto do Regio Esercito, Itália, 1942
Almirante da US Navy, Estados Unidos, 1943
Marechal das Forças Armadas, Finlândia, 1939
Aviadora da Força Aérea, União Soviética, 1941


Alpino do Regio Esercito, Itália, 1940
Atirador Argelino das Forces Françaises Libres, França, 1943
Bersagliere do Regio Esercito, Itália, 1944
Sargento Condutor-Auto do US Army, Estados Unidos, 1944
Soldado de Infantaria da Wehrmacht, Alemanha, 1945


Paraquedista do British Army, Grã-Bretanha, 1944
Oficial Piloto-Aviador da Regia Aeronautica, Itália, 1942
Soldado de Cavalaria do Exército de Terra, Polónia, 1939
Oficial Condutor-Auto das Waffen SS, Alemanha, 1944
Soldado Condutor-Auto do Exército Vermelho, União Soviética, 1941


Almirante da Kriegsmarine, Alemanha, 1939
Soldado Condutor-Auto do Armée de Terre, França, 1944
Mecânico de Voo da Luftwaffe, Alemanha, 1943
Marinheiro da US Navy, Estados Unidos, 1944
Assistente da Abwehr, Alemanha, 1943


Cabo dos US Marine Corps, Estados Unidos, 1941
Soldado do Regio Esercito, Itália, 1942
Oficial do Exército, China, 1939
Alferes de Artilharia ATP da Wehrmacht, Alemanha, 1944
Engenheiro-Sapador do Exército Soviético, União Soviética, 1943


Esta é a minha "aquisição" mais recente, oferta de uma colega do meu pai que sabia que eu coleccionava soldadinhos de chumbo. Embora não seja exactamente um soldado, é possivelmente o meu "soldadinho de chumbo" mais valioso e mais antigo: um jóquei montado num cavalo (ao qual já faltam três patas), ainda com a pintura de origem, fabricado no início do séc. XX ou, talvez, até em finais do séc. XIX.


sábado, janeiro 20, 2007

 

Manuscrito encontrado atrás de um piano

Passeando pela blogosfera nacional, fui dar com o blog tonalatonal, do compositor Sérgio Azevedo. Comecei a ler o blog e a visitar os arquivos até que me deparei com um texto que me prendeu bastante a atenção: chama-se Manuscrito encontrado atrás de um piano, escrito pelo compositor em 2001. Pedi autorização ao autor para o colocar aqui no blog, e cá está ele. É um pouco longo e será o post mais comprido alguma vez publicado no steadfasttinsoldier, mas vale bem a pena ler, believe me:

Os textos reunidos neste volume foram descobertos de forma assaz bizarra. Não é a primeira vez que faço de Indiana Jones, um professor Jones amador da musicologia é certo, mas o que me esperava desta vez surpreendeu-me deveras. Surpreendeu-me porque não percebia como, nesta era de informação rápida e de meios de comunicação eficazes e quase omnipotentes, estes textos tiveram não só de esperar a hipotética morte do seu autor (autora?) para aparecerem à luz do dia como ainda por cima, e até nova descoberta, permanecem anónimos. Que havia sem dúvida uma vontade de os fazer publicar algum dia, tal parece-me evidente na minúcia de certas indicações rabiscadas pelo desconhecido autor em folhas anexas aos textos. Ao mesmo tempo, estes encontravam-se numa desordem tal que, ou não previam realmente uma ordem específica ou o autor ainda não se decidira por uma ordenação final, principalmente no que respeita aos aforismos. Também o facto de estarem escritos em alemão obrigou a um esforço de tradução no qual tentei, sendo fiel ao espírito dos textos, substituir as diversas coloquialidades "tedescas" pelas suas equivalentes portuguesas.
Mas regressemos ao princípio. No Outono de 1998 recebi um telefonema, já ia adiantada a noite. Uma voz masculina, enrolada como se o seu proprietário não possuísse dentes alguns, perguntava-me se estava a falar com o senhor de tal (pronunciou o meu nome). Depois da minha resposta afirmativa, quis no entanto ainda assegurar-se que era mesmo eu. Desconfiado de alguma manobra publicitária ou de alguma marosca estive quase a desligar, mas um certo tom de tristeza na voz do velhote (sim, tinha já percebido que se tratava da voz de um velho, sem dentes) fez-me desistir e manter o telefone junto às orelhas. Disse-lhe pois o que ele queira ouvir e perguntei-lhe por minha vez o que pretendia àquela hora tardia. Perguntou-me se não me importava de o ir ver ainda naquela noite (e atirou-me com uma morada obscura, algures nos arredores de Lisboa). O pedido, tenho que confessá-lo, e como decerto concordarão os leitores, não era nada razoável; não só nada sabia do velhote (enquanto ele parecia saber bastante mais da minha pessoa) como não sabia ainda o que me podia querer um estranho a essas horas da noite. Insisti em que me dissesse o assunto que o levava a importunar-me, mas declinou, respondendo simplesmente "que era do meu interesse". E mais não disse. Já irritado, mas ainda assim curioso (Ah, Jones, Jones!) anotei a morada que ele me repetiu de forma um pouco mais inteligível e saí para a noite, preparado para o que desse e viesse, não sem antes ter deixado recado a alguns amigos a dizer onde ia. De propósito não levei cartões nem dinheiro salvo o estritamente necessário para qualquer percalço com o carro.
A rua que me indicara o velho (posso chamar-lhe "o velho", tão pouco dissera o nome) era difícil de encontrar e de aspecto bastante desleixado. Quando saí do carro, ao fim de mais de uma hora às voltas por ruelas todas iguais, alguns gatos mientos e famintos rodearam-me as pernas. Toda a rua cheirava a peixe podre e restos de comida. A luz do lampião era amarela e mal deixava ver os números da portas que ainda os ostentavam; - como faria o carteiro? - perguntei-me enquanto tentava perceber onde estavam os dois algarismos que procurava. Não havia luz em nenhuma das exíguas janelas, e hesitei ainda antes de tocar àquelas horas a uma campaínha que podia não ser a do velho sem dentes. Por fim o meu dedo pressionou o botão no andar que me havia sido indicado. Escapuli-me para o lado e preparei-me para desaparecer caso não fosse aquele o número (sabe-se lá se não podia aparecer um matulão irado a pedir-me contas pela interrupção injustificada do descanso nocturno! - naquelas imediações tudo tinha um aspecto perigoso). Mas nada disso apareceu. Passados apenas alguns segundos acendeu-se uma luz amarelada do lado de dentro e ouvi um ruído de passos abafados em direcção à porta, que se abriu sem perguntas. Era esperado, não havia dúvida. O velho (não tinha um único dente, confirmei) mastigou "boa noite, entre, entre" por entre as gengivas vazias, fechou devagar a porta, e caminhou à minha frente pelo corredor fracamente iluminado. Vista do lado de for a, a casa era humilde e parecia pequena, mas por dentro, embora pobremente mobilada, parecia surpreendentemente espaçosa. Não tanto o tamanho das divisões, que mal podia avaliar (as portas encontravam-se quase todas fechadas e a débil luz mal permitia ver o que escondiam as poucas entreabertas, embora parecesse tudo muito velho e cheio de poeira), mas o número de portas pareceu-me excessivo para o que vira de fora. Enquanto caminhávamos ia dizendo algumas frases de circunstância às quais as gengivas do homem respondiam com ruídos que mais tarde identifiquei como "espere um pouco, espere um pouco, deixe-me sentar". Notei que tossicava de vez em quando e que o andar era hesitante e irregular. Tresandava a tabaco e a bagaço ordinário. Parecia estar doente.
Chegámos por fim a uma sala ligeiramente mais confortável do que o que me fora até aí dado ver. Indicou-me um sofá ainda não totalmente carcomido pelo uso e pelo tempo. Sentei-me com um ar importante mas ao cruzar as pernas reparei que com a pressa calçara um par de sapatos diferentes, de cores absolutamente contraditórias, com a pressa em sair de casa confundira-os no lusco fusco do hall. Encolhi vergonhosamente os pés para baixo do sofá e o ar impertigado desvaneceu-se enquanto rezava para que o velho não reparasse. Não reparou, ou pelo menos fingiu que não, descontraí-me um bocado; ao fim e ao cabo que interessava? Puxou de um maço de cigarros cortados no filtro, ofereceu-me um, perguntou-me - sempre com aquela voz mastigada e triste - se queria uma bebida, e declinei ambos, após o que começou a falar. Em resumo, pedira-me para o visitar por causa de outra pessoa, a quem arrendara um dos quartos, um músico estrangeiro. Nessa altura arrebitei os ouvidos, pressentia alguma coisa interessante. Esse músico - continuou - (sabia que era músico porque mandara vir com as outras bagagens um violino e um piano vertical, ao que assenti que assim era provavelmente, mas durante meses nunca o ouvira tocar sequer uma nota) procurava um quarto barato para trabalhar numa obra importante, e reparara no anúncio posto nalguns jornais pelo velho sem dentes. "A reforma não dá para muito, e uma companhia, mesmo de um estranho é sempre uma companhia; compreende, não é verdade?", ao que assenti novamente. A princípio estivera para não lhe alugar o quarto embora tivesse sido o único possível locatário que depois de ver a casa aceitara ficar - "não gosto muito de barulho, compreende não é verdade?" - mas o músico prometeu-lhe, num péssimo português, que não notaria sequer a sua presença. "Também achei isso esquisito, percebe? Se não eram para tocar para que queria ele então o piano e a rabeca?" - assegurei-lhe que nem sempre os músicos são intérpretes, compositores por exemplo, e que se podia ter certos instrumentos apenas pelo amor aos instrumentos, tal como se têm quadros. Deitou-me um olhar desconfiado e continuou a falar. Certo foi que o músico ("deixe cá ver, agora reparo que nestes meses que aqui esteve nunca me disse como se chamava, tratei-o sempre por senhor e ele senhor a mim me tratava. Sabe, não costumo apresentar-me. Esquecem-se-me os nomes, é a idade, e para não ter de decorar os dos outros declino o meu…" - com um aceno de cabeça fiz que sim, que compreendia) cumpriu o que prometera. Como já me dissera antes, durante meses o locatário não tocara no violino nem no piano embora há algum tempo tivesse ouvido alguns sons abafados vindos deste último, sons "que não pareciam música, tenho de lho dizer, e olhe que eu ouço bem". Quanto a vida social, o inquilino mal saía, somente para almoçar e jantar, por vezes nem isso, ficava por comer. Uma vez ouvira umas exclamações em voz alta numa língua que não conhecia "devia ser aquela língua dele, para mim é chinês" (sei agora que era alemão) e entrara-lhe no quarto, sem bater. Encontrara o músico lavado em lágrimas com um livro nas mãos, o livro tinha umas imagens, "pareceu-me Nosso Senhor na cruz", mas não tivera tempo para perceber bem o que eram - "Ficou danado, gritou-me que saísse e fechou-me a porta nas costas com força, mas danado fiquei eu por ser posto fora na minha própria casa". Depois, é claro (deitou-me uma piscadela de olhos), você compreende, o dinheirinho que pagava, embora pouco, era-me preciso e, verdade seja dita, pagava sempre a tempo e horas!" (não sabia como, pois não percebia do que vivia o estranho até àquele dia em que uns homens de bigode, "à século passado", lá foram a casa e sairam com o violino debaixo dos braços. A pouco e pouco os escassos outros pertences do homem, como um belíssimo relógio de ouro de bolso - "sabia que o tinha antes porque o vira várias vezes tirá-lo do colete para acertar as horas, e depois de uma das visitas dos “bigode” nunca mais o vi a verificar as horas por ele, arranjou um barato, daqueles de pulso ordinários, de plástico" - também desapareceram até não restar mais que alguma roupa, alguns livros, e o pesado piano). Pelo que percebi, o estranho possuira, para além das roupas, do piano e do violino, carradas de livros e partituras (a descrição pelo velho "daqueles livros amarelos sem bonecos na capa e com risquinhos horizontais e bolinhas pretas lá dentro, que parecem caganitas de mosca" não me deixaram dúvidas sobre o objecto que visava), relógios, uma ampulheta magnífica, trabalhada à mão, entre todo um bricabraque heteróclito ( o velho sussurrara-me logo "marionetas, máscaras, caixinhas de música estranhíssimas, um labirinto de madeira feito à mão, não sei para que o queria, parece um brinquedo de crianças"), todo um monte de tralha que o velho tivera a oportunidade de observar uma vez só, quando o homem o convidara a tomar chá com ele no quarto e lhe mostrara então todas aquelas coisas, comentando-as ao mesmo na sua língua bárbara e incompreensível e entrecortando as "explicações" com risinhos que se dirigiam mais a si mesmo que ao velho, confuso com todo o disparatado non-sense que lhe enchia a melhor divisão da casa.
Neste ponto, interrompi a narrativa do velho. Tinha sede e sentia os olhos aflitos pelo fumo do tabaco barato que lhe saía pelo nariz e pelas gengivas na minha direcção. O velho, interrompido na sua dissertação quase sonhadora tossicava agora o seu catarro para fora com a ajuda de um bagaço de qualidade duvidosa que fora buscar a um armário. Afinal, perguntei levemente irritado, para que me estava a contar tudo aquilo, o que tinha aquilo a ver comigo, por que razão me chamara ali a meio da noite, a mim, um desconhecido, e como sabia tanto sobre mim? (afastado o receio de um roubo ou outra chatice - o ambiente era declaradamente estranho mas inofensivo, e uma marosca, embora ainda não totalmente posta de parte parecia-me demasiado rebuscada e inventiva para aquilo que eu podia valer - aborrecia-me agora a maneira como o velho dispunha do meu tempo sem se fazer rogado na lentidão com que contava tudo aquilo enquanto fumava os seus cigarros de tuta e meia).
"Foi ele que me pediu para o chamar cá" - mas onde está ele agora? - "não sei, foi-se embora, morreu, vieram buscá-lo - se calhar os homens de bigode, uma dívida talvez - olhe, não sei, sei apenas que ele me disse que se não voltasse dentro de dois ou três dias para o chamar a si, ainda tenho praí o papel que ele me deu, e já lá vai quase um mês. As coisas dele ainda lá estão como as deixou. Quer dizer, as coisas, as coisas…o piano! Foi o que restou dele". - Mas porquê eu? Não sou assim tão importante, além do mais tenho a certeza que nunca conheci esse seu músico. - "só sei aquilo que ele me disse para fazer". - Mas o que é que ele lhe disse para fazer? - "disse-me que se alguma coisa lhe acontecesse, se eu nunca mais o visse, para contactar esta pessoa (passou-me um papel amarrotado para a mão onde pude ler numa caligrafia antiquada o meu nome e telefone), isto é, você". - Mas que me poderia ele querer? - "Pergunta-me você? Eu sou só um pobre velho que aluga quartos e já nem dentes tem para falar como deve ser. Acha que percebo de música?" - Sim, claro, mas nunca o ouviu falar de alguma coisa, dizer alguma coisa que relacionasse com isto? Mas afinal o que é que aconteceu ao seu inquilino? - "Sumiu-se, como já lhe disse. Dois dias depois de o último relógio ter ido, pagou a mensalidade e disse que tinha de sair e não sabia quando voltava. Desconfiei que ali havia gato, mas, você sabe, estava tudo pago e não tinha contrato que o obrigasse a ficar (pagava mês a mês), que eu cá não gosto dessas coisas, você compreende, não é verdade? (sorriu, e quando sorria mostrava as decadentes gengivas) - Claro, a casa é sua, mas olhe, são quase 4 da manhã, você talvez não tenha sono - "os velhos nunca têm sono" - Sim, eu sei, mas eu não sou velho, você que me desculpe, e quero ir para casa meter-me na cama que amanhã trabalho e não é pouco. Se ele não lhe disse nada a não ser o meu nome é porque deve ter deixado aí alguma coisa importante e queria que eu viesse cá vê-la. "Sim, é também o que eu penso, mas o quê? Já quis dar a volta ao quarto dele mas não sou coscuvilheiro e não quis abusar, afinal o quarto está pago até ao fim do mês e ainda faltam alguns dias", respondeu o velho numa voz que traía a mais que evidente evidência (perdoe-se-me o pleonasmo) que já devia ter inspeccionado o quarto de alto a baixo. Não dissera o músico para me chamar ao fim de dois ou três dias? E já lá ia quase um mês, segundo o velhote. Ou não conseguira encontrar nada ou não havia nada para encontrar. - Vamos lá então ver esse quarto, pode ser?
O quarto em si não tinha nada de particular. Era grande, como dissera o velho, mas estava quase vazio e coberto de pó e livros espalhados por toda a parte. Haviam sinais evidentes de ter sido revistado recentemente (pelo velho, claro…), mas o pó tornara a cair e assentara novamente de forma desigual. O fraco mobiliário consistia numa cadeira e num sofá, uma mesa simples e ampla que decerto servira de secretária com mais alguns dos livros que o músico não conseguira ou não quisera vender, um armário com roupas que já haviam sido de qualidade mas que agora se encontravam desbotadas e traçadas, e o piano, um monstruoso Bösendörfer vertical de 1924, também com livros espalhados por cima. Experimentei as teclas, estava surpreendentemente em óptimo estado, e afinado. - Aqui não há nada. Viu as gavetas do armário e dentro dos livros? - "Já lhe disse que ainda aqui não entrei desde que ele se foi embora", a voz do velho soprava irritação pela minha incredulidade perante a sua palavra e deixei cair o assunto - Ok, então vamos lá ver isto melhor, procure dentro das gavetas do armário, nos fundos, dentro dos bolsos dos casacos e calças que ainda restam aí dentro (indiquei-lhe o armário como se ele não soubesse já perfeitamente que nada lá havia de interesse). Embora o quarto não tivesse, como já disse, quase nada, durante uma boa meia-hora esforçámo-nos os dois, eu meio desinteressado por saber que já tudo havia sido remexido e o velhote cheio do afã de me mostrar que ainda ali não entrara, por encontrar alguma coisa. Os livros, que vasculhei página a página, ainda eram em grande número; estavam cheios de anotações nas margens e com rabiscos por baixo das frases ou palavras que tinham chamado a atenção do seu proprietário: livros de Kleist, uma História Universal do Diabo, o Love's Labour's Lost e The Tempest de Shakespeare, os Fausto de Goethe, Marlowe e Mann, antologias de poesia portuguesa, provençal, espanhola e catalã, os Gesta Romanorum, poemas de Dante, Klopstock, Platen, Keats, Brentano, Blake e Verlaine, o Livro do Apocalipse, um curiosíssimo Tratado das Borboletas e Crisálidas e os não menos invulgares Sobre os Labirintos e Manual de Doenças Venéreas (?) juntamente com mais meia dúzia de volumes com reproduções de Durër e Bosh (entre os quais O Jardim das Delícias) no meio de alguns outros chamaram-me a mim a atenção (o velho deambulava por entre estas resmas de papel, para si inúteis "Não sei ler nem escrever muito bem, apenas o suficiente para poder ler o seu nome e chamá-lo cá", disse com alguma vergonha). Todos eles, de uma maneira ou de outra vinham mencionados no Doktor Faustus de Thomas Mann, esse romance da vida de um compositor, Adrian Leverkhün, que vende a alma ao Diabo em troca do génio e de uma vida privada de calor humano, em suma, pela frieza. Em paralelo, Mann retrata o caminhar da Alemanha para a destruição através da ascenção do nazismo com a consequente guerra e a demolidora derrota que se lhe seguiu. Porque estaria o nosso músico tão interessado no assunto? Talvez quisesse escrever uma ópera sobre o romance. A ideia não tinha nada de extraordinário, Manzoni escrevera uma há alguns anos e eu próprio já o pensara. Ao fim e ao cabo, é o sujeito ideal, um livro sobre a vida de um compositor atormentado pela sua criação, o carácter demoníaco da música, descrição de obras nunca ouvidas, etc e etc. Ideal.
Dentro dos livros não havia nada, as próprias anotações eram interessantes mas não acrescentavam nenhuma pista ao mistério do seu desaparecimento ou ao propósito dos seus últimos meses de vida (partia já do triste princípio, que até agora ainda não se desmentiu, de que o músico tinha definitivamente entrado para o reino de Hades).
Olhei à volta, meio desapontado. As roupas nada tinham dentro a não ser alguns papéis de mercearia, os livros tão pouco. Nas gavetas apenas pontas de lápis, canetas com a tinta meio seca, algumas folhas pautadas e um mata-borrão. Seria uma brincadeira de mau gosto? Mas a mesma dúvida que já me assaltara antes desvanecia-se perante o imponente piano em bom estado e a evidente dificuldade de o mover sem a ajuda de alguns homens fortes (como raio o teriam metido lá dentro?). Demasiado esforço para uma brincadeira, e além disso teria custado uma pipa de massa arranjar aquilo tudo para gozar com alguém. Não, aquilo era real, e se o misterioso inquilino existira e escolhera aquele lugar infecto para viver os seus últimos meses, longe de tudo e de todos, alguma coisa devia existir que o justificasse. Olhei outra vez em volta, procurando sem esperança um qualquer local onde não tivéssemos já rebuscado e remexido fartamente. Mas claro! O piano! O pesadíssimo piano! Era evidente que o velho sozinho nunca teria tido forças para arrastar o Bosendörfer e verificar se havia alguma coisa escondida atrás dele. Nem rodas tinha o raio do piano! (e não devia ter quem o ajudasse, na sórdida solidão em que vivia naquele bairro fantasma no fim do mundo. O músico devia ter sido a sua única companhia durante aquele tempo todo). O olhar do velho acompanhou o meu enquanto o pousava inquisidoramente no piano e percebeu. Murmurou algo como "é escusado, é muito pesado para se mexer do sítio onde está", e antes ainda que eu esboçasse um gesto defendeu-se "eu sei o que está a pensar, mas já lhe disse três vezes que não mexi em nada. Vi quando o trouxeram para cá, eram 6 homens fortes e transpiravam como porcos enquanto o metiam aí nesse canto". Abanei que sim com a cabeça e tentei deslocar o piano que não se moveu um milímetro. Se houvesse alguma coisa lá atrás estava bem segura, pensei desanimado. - Tem uma lanterna? - "Oh!". Lembrei-me que tinha uma no carro e disse ao velho para esperar um minuto enquanto a ia buscar. Quando voltei o velho beberricava o seu bagaço sentado no sofá e olhava fixamente para o monstruoso móvel. O que esperaria ele que de lá saísse? Dinheiro, jóias? A pouca lealdade que a fugaz convivência com o locatário de poucas falas e tantos mistérios ainda provocava no velho desvanecia-se a pouco e pouco à medida que crescia a esperança de eu encontrar alguma coisa de valor enquanto me via, de joelhos no soalho do quarto, apontar a lanterna para o exíguo espaço existente entre o piano e a parede. "Vê alguma coisa?" - Não, espere lá… - O velho, curioso como todos os velhos, tentava espreitar também, mas os seus olhos de bolsas avermelhadas e húmidas, decerto tão maus como as gengivas, não lhe prestavam um bom serviço e acabou por desistir, sentando-se de novo no sofá. O pó de muitos meses, encorajado pelas minhas explorações espalhou-se pelo ar e fê-lo tossir novamente, uma tosse de mau agoiro. Estava mesmo doente e nesse momento tive alguma pena dele.
Não havia muita luz no quarto e a lanterna era fraca. Pareceu-me ver folhas caídas no chão, entre o piano e a parede, e algumas por baixo. Era natural que o músico, se fosse compositor e usasse o piano deixasse de vez em quando cair folhas que estivessem por cima da tampa (uma placa de madeira grande que servia de apoio para escrita na estante de leitura do instrumento fizeram-me acreditar que era isso mesmo). Enquanto estudante, quando ainda usava o piano para compôr, era frequente resmas de folhas irem parar atrás do piano, mas no meu caso, este era bem mais leve e as rodinhas facilitavam a recuperação dos "preciosos" esboços. Lembrei-me então que havia uma possibilidade. Voltei novamente ao carro, fazia frio e arrepiei-me um pouco enquanto tirava o macaco da mala (deviam já ser umas seis e tal da manhã, mas estávamos no Outono e não haveria luz do dia antes das oito e meia, além disso havia uma forte neblina). O velho desta vez dormitava, afinal sempre lhe dera o sono, e não acordou enquanto eu tentava sem êxito meter o apoio do macaco debaixo do piano. Era demasiado pequeno para conseguir meter lá fosse o que fosse que conseguisse levantar aquele monstro. Estava quase a desistir, e a hora avançada (na noite anterior também dormira pouco) começava a toldar-me o espírito e a amolecer-me os intentos e a curiosidade. Sentei-me na cadeira e penso que também passei uns minutos pelas brasas. O piano aparecia-me inexpugnável, derradeira fortaleza de um homem singular. Não seria possível um segundo Cavalo de Troia para meter - oferecido no altar da cupidez dos defensores - diante da ponte levadiça? Acordei de repente. Era isso! Uma ponte levadiça. Estes pianos verticais tinham no bojo, por baixo do teclado, uma porta horizontal que se abria e revelava o interior. Era assim que se arranjava o mecanismo dos pedais, ou se mudavam cordas. E tão pouco me lembrara - ó, grande besta! - da tampa de cima, coberta como estava pelos livros amontoados. Embora não deixasse ver até ao fundo, pelo meos podia servir para esconder coisas na parte de cima. Tirei os livros de cima e pu-los no chão, levantando mais uma nuvem de poeira que fez tossir desalmadamente o velho, acordando-o. Quando acabou de tossir, ainda meio estremunhado, ficou a olhar para os livros no chão e para a tampa levantada. "não sabia que isso levantava", o tom era de azedume. - Também aqui não há nada, tenho de abrir a tampa de baixo - "O quê, em baixo também se abre?", e desta vez o tom era de perplexidade, decerto não imaginava que as teclas estivessem ligadas a um complexo mecanismo invisível que tornava possível o som. - Dê-me aí uma ajuda, isto deve ser pesado, apoie-se na madeira para isso não me cair em cima dos pés quando puxar a maçaneta - "Já vou, já vou". Aquilo devia ter algum truque porque rodei, puxei e torci a maçaneta com quanta força tinha e nada. "Isso se calhar não se abre", atirou-me o meu companheiro e nesse momento, como que por vingança, lá fiz qualquer coisa que por acaso libertou a maçaneta do seu casulo e fez cair pesadamente a tampa em cima das costas do velho. Distraído com os meus esforços, não se encostara como eu lhe dissera e apanhou uma pancada surda nos lombos que fez vir à superfície dos pulmões mais um ataque de tosse valente e algumas gemidelas. "Diacho! Tinha de puxar assim sem avisar? Olhe que para males já tenho que bastem com a merda deste peito e destes olhos, não preciso ainda de uma corcunda!" - desculpe, isto estava perro como o raio, também não serve de nada queixar-se agora, estou aqui porque você me telefonou e também estou farto de levar com o pó e o fumo do seu tabaco. - "pronto, pronto, desculpe, mas que doeu, doeu. E não foi a si. Veja mas é se há aí dentro alguma coisa que valha a pena, para podermos ir dormir". A grande e pesadíssima porta de madeira saía toda do piano e foi a custo que a pusemos no chão. Lá dentro, com a ajuda da lanterna e da pálida iluminação do candeeiro no tecto (o quarto era interior, não tinha janelas, imaginem o cheiro…) vasculhei atentamente o interior do instrumento. Fora arranjado há pouco tempo a julgar pela afinação e pela condição do teclado, mas as entranhas pareciam não ter sido tocadas desde 1924. Rolos de pó cinzento cobriam as traves de madeira e as cordas pareciam ferrugentas nalguns pontos. Apontei a lanterna para o fundo e percebi que o piano não tinha costas porque alguém tinha retirado a placa do fundo (provavelmente para arranjar espaço entre a parede e as cordas para esconder alguma coisa), aí estava a razão para haver tanto pó lá dentro. E estava alguma coisa lá dentro. Pilhas de folhas manuscritas começaram a aparecer dos fundos mais sombrios onde a luz mal chegava (as pilhas, para cúmulo, estavam no fim). Tirei todas as que pude e pedi ao velho para ir à cozinha buscar uma vassoura - tem vassoura, não tem? - "sim, sim" - traga-ma para aqui para ver se chego às lá do fundo. - "vou já". Com o auxílio da vassoura e de algumas arranhadelas nos braços consegui, penso, retirar todas as folhas que repousavam no estômago daquela Moby Dick musical (aquele piano cada vez se parecia mais com um enorme animal de entranhas esventradas e eu um minúsculo Jonas prestes a ser engolido). Limpei o pó às folhas cuidadosamente (mais um ataque de tosse do velho) e sentei-me no sofá para ver o que continham. O velho, sentado na cadeira a escarrar para um grande lenço vermelho imundo que tirara do bolso, olhava para o piano aberto como se esperasse ver de lá aparecer um saco de diamantes; era óbvio o seu desagrado, "tanto barulho por umas páginas de papel com rabiscos!" (à segunda resmungadela de decepção lembrei-me do Much Ado About Nothing; o velho devia ter lido o seu Shakespeare!).
As primeiras trinta e tal folhas embora completamente desordenadas, continham nas margens indicações pormenorizadas sobre alguns significados, contextos, e outras observações que seriam muito úteis em caso de publicação. Tratava-se de um conjunto de aforismos ou sentenças que denotavam uma grande reverência pela espiritualidade ligada à arte, em especial à arte da música. O seu autor era sem dúvida um homem culto e tinha uma formação humanista. Nenhum estava numerado e o todo visava fundamentalmente a pedagogia. Na grande tradição alemã, o autor dos aforismos ligava vários domínios do saber a um objectivo único, a quente formação espiritual e humana do músico em paralelo com a formação puramente mecânica dos músculos, mais fria. Pu-los de parte e analisei as outras folhas (o velho dormitava outra vez, decerto convencera-se que nem sequer um mapa do tesouro podia esperar do papel amarelecido que eu folheava com avidez). Algumas delas, soltas do resto do manuscrito, continham poemas em alemão, entre os quais alguns dos Sonetos Venezianos de Platen. Não tinham, alguns deles, escrito um nome que identificasse o seu autor, mas supus terem a mesma origem que o resto da papelada. Não só o idioma e o tipo de letra eram iguais (mais distinta e menos apressada a caligrafia aqui e nos aforismos, apressada e quase ilegível em tudo o resto), como os poemas sem autor denotavam o mesmo tipo de sensibilidade e interesses que os revelados pelos aforismos. Fiquei até enlevado (orgulho patriótico…) por a poesia de Cesário Verde não lhe ser estranha. O estrangeiro estivera pois tempo suficiente em Lisboa para se inteirar da cultura lusa e a simplicidade e calor humano de Cesário, tão próximo da música de Janacék, devia tê-lo emocionado. Não creio porém, (embora os tenha reunido e traduzido para figurarem neste volume já de si tão heteróclito) que os poemas estivessem destinados a verem algum dia a luz do dia. Posso (agora) afirmar com bastante certeza que tanto os aforismos como os poemas são cronologicamente anteriores, na sua sensibilidade meridional (e, no caso dos poemas, serão mesmo juvenilia) ao material que encontrei no segundo rolo manuscrito.
Falei há pouco em calor e humanidades. Falarei agora em frieza. O segundo conjunto do manuscrito, separado por um elástico enrolado, tinha a ver, como já suspeitara ao folhear os livros no quarto, com o projecto de uma ópera sobre o tema do Fausto. Concretamente sobre a vida de Adrian Leverkhün tal como narrada pelo seu amigo Serenus Zeitblom, ou seja, o Doktor Faust de Thomas Mann. Se os aforismos eram interessantes (só lera alguns mas aquilo prometia), as notas sobre a ópera lançaram alguma luz sobre o estranho inquilino que fora para aquele buraco acabar de trabalhar nas obras de Adrian. Sim, nas obras de Adrian. Ao folhear os papéis tornou-se-me claro que ao projecto de uma ópera sobre Doktor Faust, por muito ambicioso que fosse, se sobrepusera um projecto com características muito mais inquietantes, que podiam eventualmente explicar o mistério do desaparecimento do seu autor. Nas primeiras páginas o músico desaparecido (vou chamar-lhe K., já que tudo aquilo me parecia um pouco kafkiano), nas primeiras páginas, K. propunha-se pôr em música não só todo o enorme romance, o que daria como resultado uma ópera gigantesca, uma "LebenOper", como ainda se propunha pôr-se na pele do protagonista, pensando e sentindo como ele, compondo aquilo que ele compunha e passando por todos os seus angustiantes dilemas à medida que a obra avançava e a frieza ia tomando conta da sua vida. Ulisses transladado para o Faust. Não teria a ópera menos de 7 ou 8 horas de duração e implicaria pois que todas as obras descritas no romance existissem de facto. (ainda antes de continuar esta narrativa, convém dizer ao leitor que o manuscrito estava escrito em alemão, um alemão um pouco arcaico - à imagem do estilo de Adrian e de Serenus - mas um alemão facilmente compreensível para mim). As folhas iniciais continham, entre outras anotações, a lista de composições e estudos de juventude de Adrian, de forma mais ou menos cronológica, lista que traduzi para a língua portuguesa [reproduzida neste volume].
O projecto, já de si um pouco utópico, e até (porque não dizê-lo), com contornos menos sadios do ponto de vista mental, continuava com uma cópia pormenorizada das descrições por Mann das peças de Adrian. Estava tudo anotado, não só as descrições como ainda a maneira como as obras haviam sido recebidas pelo público e os comentários sobre elas por parte dos restantes protagonistas do drama. K. tentara extrair do romance toda a informação possível e adivinhar o resto através da sua própria experiência paralela. (ao chegar a este ponto da minha própria narrativa sinto ainda hoje um leve arrepio, quando penso no Tratado das Borboletas e Crisálidas e no Manual de Doenças Venéreas insidiosamente pousados por cima do piano. Até onde chegara K. na sua obsessão?). Não era esta uma loucura gémea do Quixote de Pierre Ménard contado por Borges? Mas desta vez o papel onde se escrevia o segundo Fausto em tudo igual ao primeiro era a vida de um homem e a tinta o seu próprio sangue…
Cheguei ao fim das páginas, mas estas somente continham mais e mais indicações do mesmo género sobre o romance. Nada de música. Era desanimador por um lado nada encontrar que provasse que K. tinha realmente levado a sério a sua própria demência. Provavelmente dera-se conta a tempo e num último rasgo de lucidez pusera-se ao fresco, deixara aquele antro e o velho sem dentes e simulara uma desaparição enigmática para despistar quaisquer seguidores. Não, não fazia sentido. Mais valia ter-se pisgado sem nada dizer e nada deixar para trás. Porquê comportar-se como a mulher de Lot? E porquê o bilhete a solicitar a minha presença? K. pretendia revelar alguma coisa, talvez os aforismos apenas, quem sabe. Mas então, porque juntara o projecto do Fausto? K. queria pelo menos um espectador no espectáculo da sua vida e morte e, por razões obscuras, escolhera-me a mim (claro, tinha de ser um músico, o imbecil do velho nunca compreenderia nada do que estava implícito naquelas páginas terríveis). Falo do velho. Continuava a dormitar e a sonhar com tesouros fabulosos deixados atrás do piano, mapas que indicavam o "x" onde arcas cheias de ouro estavam enterradas à espera das suas ávidas e salivantes gengivas.
Tinha de haver mais alguma coisa.
Levantei-me do sofá, o dia já raiava (uma luz branca entrava pelo corredor em direcção à porta do quarto) e espreitei mais uma vez para a carranca aberta do Bosendörfer mas não havia nada. Se havia partituras tinham de estar ali; aquilo não fazia sentido. Tive vontade de desmontar a merda do piano martelo a martelo. - Olhe, vou desmontar-lhe o teclado, não se importa? - "humm, hummmmm, grmlhmmmm", o velho grunhiu e continuou a resmonear coisas ininteligíveis (era John Silver e olhava para as peças de três; resolvi não me chatear mais com ele, o seu sorriso estúpido de sonhador era quase infantil). Desmontei cuidadosamente a tampa do teclado e os martelos e todo o mecanismo do duplo escape ficou à mostra, como gengivas cheias de dentes ameaçadores (o velho certamente ficaria invejoso de uma dentição tão generosa, vê-la-ia quando acordasse). Nada à vista porém, por isso desmontei também o que restava da pele do piano, a tampa vertical por cima do teclado. Mal a retirei, uma folha in-quarto rasgada e meio amachucada caiu e esvoaçou para o meio do chão. Apanhei-a e olhei sofregamente para ela. Era um fragmento de uma peça para orquestra de cordas, uma peça não incluída na lista porque fazia parte da peças descritas por Mann como um dos exercícios de estudante de Adrian para Krehzstmar. Eu tivera o pressentimento certo, havia uma partitura! Adrian/K. continuara com o projecto para além das folhas iniciais sabe-se lá até onde, e por qualquer razão aquilo correra mal (não era muito difícil perceber as razões pelas quais um tal projecto podia e devia correr mal). É claro que, sendo K. compositor, aquele fragmento podia ser de outra peça qualquer, mas a ideia não tinha lógica (dentro da não-lógica ou lógica demoníaca da LebenOper). K. não se teria mudado para ali para fazer "outras peças". O fragmento que me ardia nas mãos pertencia de certeza ao Projecto (referia-me a ele já assim, com maiúscula, porque era por demais evidente que a minha admiração pela desmesura clamava por um epíteto que justificasse a mescla de realidade e ficção com que K. sonhara naqueles últimos meses de uma actividade psíquica difícil de imaginar). O estado de exaltação com que aquele fragmento de música (e por extrapolação toda a hipotética ópera) fora escrita estava bem patente na caligrafia apressada e inclinada para a frente, como se o tempo escasseasse (lembrei-me que o velho tinha falado numa ampulheta, seria apenas coincidência? O Diabo que aparece a Adrian e lhe oferece 24 anos de criação genial usa a imagem da ampulheta para lhe explicar o fluir do tempo; a princípio não damos conta de nada enquanto a maior parte da areia escorre, até que um pequenino vórtice se forma e é tudo tão rápido a partir daí. Nascemos e já estamos a morrer, e quando nos apercebemos do inevitável fogem pelo ralo os derradeiros grãos de areia, a nossa vida desperdiçada). Era porém admirável de invenção e de "maitrise". As próprias correcções, se bem que denunciadoras de dúvidas e da sofreguidão com que K. criara aquela música, tinham vigor e mostravam determinação. Pertencia sem dúvida, pelo estilo tonal extremamente cromático, aos exercícios de contraponto tonal que em breve conduziriam Adrian para um caminho singular. Mann menciona entre os exercícios deste período um Concerto para Cordas, pelo que não me foi difícil adivinhar que o fragmento se referia à tentativa de recriação dessa obra apenas mencionada pelo nome e colocada num contexto no qual Adrian ensaiava a sua libertação da tonalidade através do cromatismo desviante das funções tonais. Ou seja, para ser claro (e aqui arrepiei-me outra vez), o fragmento pertencia ao ponto no qual, no romance, Adrian renuncia ao amor e ao calor humano e recebe o Diabo e a frieza no seu seio e no seio da sua obra. No último compasso dos três que sobreviveram à fúria destrutiva de Adrian/K. (tenho agora a convicção que, levado por um último arremedo de sanidade e por uma última tentativa de voltar ao calor cristão, K. destruíu toda a música que compusera, todo o trabalho de uma vida, excepto este pequeno fragmento que ainda tenho comigo, que escapou miraculosamente), os tons inteiros insinuam-se na tonalidade já fortemente cromatizada. Os sons D - E - G# (note-se particularmente o trítono D - G# [o Diabolus in Musica] a envolver o agregado) dominam e dominarão por certo o seguimento no crescendo que é pedido cada vez com maior insistência pelas febris e constantes indicações escritas a italiano na partitura. Deste trítono entre as notas D e G# (Dieu, Deus, Deo, God, Gott…?) diz-me uma intuição terrível ser a imagem da luta que se desenrolava no interior da alma de K pela libertação de uma teia onde decerto nunca pensara pudesse vir também a cair. Passara K. da ficção para a realidade e buscava o Altíssimo em todo o lado, incluindo na velha simbólica musical anglo-saxónica e tedesca?
Talvez este fragmento não tenha sido deixado para trás acidentalmente. Tenho para mim, cada vez mais, a ideia que Adrian/K. deixou deliberadamente para trás na sua fuga desesperada à aventura em que se metera uma pista que mostrasse a quem soubesse ver (por isso me escolheu a mim, um músico) aquilo que poderia ter sido (ou foi) o Projecto. A passagem terrível do conforto tonal para a inquietação atonal era evidente naqueles três compassos e simbolizava a passagem de K. do mundo normal em que vivia antes de o Projecto o dominar por completo para o limbo desconhecido onde agora estaria.
Sem acordar o velho que continuava a dormir, deixei ficar o piano como estava e cuidadosamente enrolei novamente no elástico os dois rolos de papel. Pelo menos, pensei, os aforismos pertencentes a uma época mais apolínea e menos dionisíaca de K. estavam a salvo, e quanto ao resto, logo se veria. Ainda não havia procurado nos outros quartos nem no pequeno quintal por trás da casa. Ficava para outro dia. Eram 10 da manhã, já estava mais do que atrasado para os meus cursos e não tinha preparado nada. Meti os rolos no sobretudo, surripiei um pequeno volume de poemas de Platen que estava aberto por cima da secretária, e saí, fechando sem ruído a porta por trás de mim. O carro continuava no mesmo sítio (naquele local tudo podia acontecer, e um rato de automóveis era bem menos invulgar que a história que escondiam as paredes do número (…) daquela rua), meti a chave na ignição, pegou à terceira e arranquei, decidido no dia seguinte. Mas isso nunca aconteceu. Ao pegar de manhã no jornal, li nas notícias locais que um violento incêndio tinha completamente destruído duas casas em (reconheci o nome e o número) e morto alguns velhotes. Acidente ou Destino? O imbecil do velho deixara-se dormir com o cigarro aceso enquanto eu lá estava, mas a beata apagara-se sozinha nos seus dedos calejados. Devia ter feito o mesmo no dia seguinte mas ter tido menos sorte e eu não estava lá para lhe apagar a merda do cigarro. Com a casa velha forrada de madeira por todo o lado não me admirava muito se a tese "acidente" fosse afinal a verdadeira. Senti alguma pena pelo homem, fosse como fosse não tinha culpa de ser um pobre diabo. Devia sobreviver com uma reforma miserável e a mesada de K. fora uma benesse.
Tudo isto me parece hoje um sonho de uma noite mal dormida e olho por vezes o meu fragmento de Wanderweg (baptizei-o assim, e não me perguntem porquê, é todo um outro romance) para me convencer que tudo foi, afinal, real. A lembrança do fogo, aumentada pela imaginação, atormenta-me por vezes de noite e sonho que volto lá e salvo do pasto das chamas um volume grosso que contém a maior música de sempre, mas de todas as vezes acordo só para perceber que os meus desejos secretos continuam vivos no inconsciente. De qualquer modo, tenho a certeza que já nada havia para encontrar naquela casa. E se houvesse? Resistiria eu ou outro mortal à audição de uma obra marcada pelo sopro diabólico da obsessão por um personagem de ficcção possuído pelo Demo? A julgar pelo fragmento "de estudante", as obras de maioridade da LebenOper de Adrian/K. deviam ter sido terrivelmente belas, insuportavelmente belas. Desde essa noite não consigo deixar de me lembrar do verso de August von Platen, sublinhado num dos livros por cima da mesa de trabalho de K. (agora aberto à minha frente):

- Quem olhou a Beleza olhos nos olhos, sem o saber, está já destinado à morte…

@ by Sérgio Azevedo 2001


 

Mais um andamento...

E pronto, aqui acaba o 18º andamento desta sinfonia (ou, direi antes, desta cacofonia!) da minha vida. Foi allegro moderato... Espero que o 19º que hoje se inicia seja um molto allegro espressivo! =) E, daqui a um ano, acontece-me a mim o que uma certa e determinada Estrela da Tarde teme: muda o primeiro dígito da idade! Mas tu hás-de lá chegar primeiro, cota... ;-P Kidding, kidding, just kidding...
Normalmente quem faz anos recebe prendas, nalguns sítios paga um café à malta toda ou leva um lanchinho para partilhar com os colegas. Como neste sábado não haverão aulas nessa prezada instituição que é o Instituto Gregoriano de Lisboa (mas, mesmo assim, vou lá estar! Às 17h00, concerto de cravo na apresentação de um CD pelo afamado, querido, adorado e extremamente estimado professor Cristiano Höltz [leva umlaut? =P Não tenho a certeza...], quem quiser venha também para podermos gozar um bocadinho com os "tocadores de faqueiro" =P lol), nem decorrerão (para mim) exames no IST (ao menos isso...! =P ), não há lanchinho nem cafezinho para ninguém! =P Mas a prenda vem de mim. Ok, vá lá, "prenda"... "Prendinha", talvez... Algo que já pretendia anunciar há uns tempos. Este blog vai agora passar a contar com um elemento não-escritor: um ilustrador. Exacto! Este blog vai passar a ter o seu próprio cartoonista! Não é um cartoonista profissional, mas vale tanto ou mais do que um: é o meu pai, projectista de profissão, que durante vários anos trabalhou com a caneta antes de se subjugar ao glorioso e odiado-por-todos-os-estudantes-de-civil AutoCAD, e portanto desenvolveu uma técnica de desenho, vá lá, decentezinha... Desenhador amador (para passar o tempo quando não lhe apetecia trabalhar... ;-P lol), aceitou o meu repto de recuperar, após mais de uma década sem pegar nos lápis de desenho, a técnica do desenho livre para se tornar o cartoonista oficial deste blog.
Para começar, um desenho que ele não queria ver publicado porque está "muito mal desenhado, foi feito muito à pressa, ainda não desenferrujei". Mas que eu publico à mesma:



quinta-feira, janeiro 18, 2007

 

Os carrascos do carrasco

Já passam mais de duas semanas após o evento social mais esperado do ano passado (o enforcamento de Saddam...) e, fora alguns comments em que disse que estava de corda ao pescoço com os exames, não houve ainda aqui nenhuma referência ao enforcamento do Sr. Bigodes. Não vou cansar-me a produzir um texto sobre isso quando alguém já o fez com tanta qualidade. Vou simplesmente armar-me em vil criminoso e copiar à balda e sem olhar a direitos de autor a crónica de Ricardo Araújo Pereira na coluna Boca do Inferno, na revista VISÃO da semana passada.

Como toda a gente, suponho, fiquei impressionado com as imagens do enforcamento de Saddam Hussein. Não é todos os dias que se assiste a um momento de ternura daquela dimensão. Refiro-me sobretudo ao modo como um dos carrascos enrola um paninho de flanela à volta da garganta do ditador, antes de ajustar o baraço. Notável, aquela preocupação de não magoar o pescoço que se está prestes a partir. «Matar, sim, mas sem aleijar», parece ser o lema daquele verdugo. E quando o homicídio é praticado com esta meiguice, custa a perceber a má reputação de que desde sempre vem gozando. De facto, se é possível apertar o gasganete a alguém sem lhe deixar aquelas marcas tão feias no pescoço, que necessidade temos de persistir no antigo modelo de enforcamento, sem paninho de flanela, que é tão brutal e bárbaro? São gestos que não custam nada e fazem toda a diferença.
Mas, como tudo na vida, o enforcamento de Saddam também teve aspectos negativos. É certo que o ditador foi punido pelos assassínios de que foi responsável, tanto os que foram cometidos na altura em que era um grande estadista apoiado pelos Estados Unidos, como os que ordenou na fase em que já era um repugnante ditador sanguinário. O problema é que a execução transformou Saddam num ser humano, o que é tão triste quanto inédito: o homem estava vivo há 70 anos e ainda ninguém tinha percebido que aquele energúmeno era uma pessoa igual às outras.

É impossível assistir à execução de Saddam sem recordar uma grande obra da história da pintura. O leitor está a ver Os Fuzilamentos de 3 de Maio, do Goya? Então esqueça. Estou a pensar noutro quadro. Refiro-me ao Pequeno-almoço na relva, do Manet. Lembra-se? Estão dois senhores e uma senhora a tomar o pequeno-almoço na relva (e, tendo isto em conta, não se pode dizer que o título do quadro seja particularmente imaginativo) e, ao passo que os dois senhores estão vestidos de fato e gravata, a senhora está completamente nua. Um enorme deconforto invade imediatamente o espectador: há um embaraço evidente no convívio da nudez da senhora com o aprumo dos senhores, e há um embaraço ainda maior no facto de o espectador não fazer ideia de como se convence uma rapariga a ir para o meio de uma mata tomar o pequeno-almoço toda descascada. No enforcamento de Saddam, é igual: a única pessoa que ali está, o único que é exactamente igual a nós, com um rosto, uns olhos e uma vontade muito grande de fugir, é o que não tem capuz preto.
De resto, a execução de Saddam demonstrou, mais uma vez, quão bárbaro e atrasado é aquele povo: tudo mal filmado; a iluminação, péssima; o som, roufenho; e o momento crucial em que o cadafalso se abre não chega a ser captado. Trata-se de gente sem a mais pequena noção de clímax narrativo. No Ocidente esta vergonha não teria sido possível.

 

Piadas musicais

Hoje decidi colocar uma compilação de piadas musicais que já venho vindo a ouvir (bela aliteração, hein? =P ) há uns tempos. Os principais visados (olha, outro "V"...) são, como não poderia deixar de ser, os instrumentistas de cordas, com especial destaque para violinos e violas de arco. Especialmente para violas de arco. Por razões óbvias, vou omitir todas as "piadas" estúpidas e sem sentido que já ouvi sobre pianistas... ;-)

Qual o cúmulo do atonalismo?
O Bochmann entrar num bar e pedir uma tónica...

Num concerto, qual é o único espectador que fica sentado atrás da orquestra a ouvir os músicos tocar?
O percussionista...

Porque é que o órgão é considerado a prova da existência de Deus?
Porque quando toca sente-se a grandeza do Criador; quando cessa, sentimos a misericórdia divina...

Porque é que as pessoas têm medo quando vêem um violinista a entrar num banco?
Porque pensam que tem uma metralhadora dentro da caixa, prestes a ser usada.
E por que as pessoas têm medo quando vêem um violetista a entrar num banco?
Porque pensam que dentro de seu estojo há uma viola prestes a ser usada.

Vários violinistas foram encontrados enterrados até ao pescoço em cimento fresco. O que aconteceu? Acabou o cimento.

Porque é que os corações dos maestros são os favoritos para transplantes? Porque são pouco usados.

Qual a diferença entre a clave de dó e grego?
Há maestros que conseguem ler grego.

Qual o melhor modo de fazer com que os olhos de uma soprano brilhem?
Acendendo uma lanterna numa das orelhas. [Maria, Miana... Desculpem... ;) ]

Quantas sopranos são necessárias para mudar uma lâmpada?
Uma: ela segura a lâmpada e o mundo gira à volta dela... [LOL esta está demais... =P ]

Qual a definição de meio-tom? Duas contraltos em uníssono...

E de 4ª aumentada? Duas sopranos em uníssono...

Como se impede uma soprano de se exibir com o seu vibrato? Não se impede...

No fim do ensaio com a cantora o maestro diz para a orquestra: - Meus senhores tomem nota das seguintesalterações: O compasso 16 passa de 4 para 3 tempos, no compasso 21 suspendem até eu dar sinal, os compassos 28 a 36 tocam meio tom acima, o compasso 45 é ad libitum ( eu marco os tempos ), no compasso 52 cortam o 3º e 4º tempos. E eu, pergunta a cantora em pânico. A senhora... canta exactamente como costuma fazer.


Como se faz para um contrabaixo soar afinado? Corta-se aos bocados e constroi-se um xilofone.
Qual é a vantagem de trocar um naipe de violas por um conjunto de máquinas de lavar? Tremem o mesmo e o resultado sai mais limpo...

Um dia, perguntaram a um violetista qual era a sub-dominante de "Fá". O violetista fica a pensar, a pensar... até que diz: "Mas o Fá não é sub-dominante?"

Um violetista chega atrasado, como sempre, a um ensaio de quarteto. Qual é o espanto dos colegas quando o vêem chegar com a viola numa mão, e uma garrafa de vodka na outra. Diz um violinista: "Ouve lá... Então vieste para um ensaio com uma garrafa de vodka na mão?" responde o violetista: - "Não, eu vim p'ra uma borracheira com uma viola."

Qual é a diferença entre um gato morto na estrada e uma viola esmagada? Marcas de travagem antes do gato.

O maestro interrompe o ensaio e diz: -Alguém está a tocar sempre uma nota errada nesta passagem... Ouve-se uma voz do meio da orquestra: -É o filho da puta do flautista. Diz o maestro indignado: -Quem é que chamou filho da puta ao flautista? Ouve-se outra voz do meio da orquestra: -Quem é que chamou flautista àquele filho da puta?

BREVE DICIONÁRIO MUSICAL:

Um tipo vai a uma loja comprar um papagaio amestrado. O vendedor mostra-lhe 3 e descreve-os: Este custa 5.000 contos e canta todos os Lieder de Schubert. Aquele custa 6.000 contos e canta todos os papeis do D. Giovanni. O terceiro custa 15.000 contos... - E o que é que faz? - pergunta o cliente. - Que eu saiba, nada - responde o vendedor - mas os outros chamam-lhe maestro.

O que é que uma pessoa faz quando o seu filho não consegue tocar nenhum instrumento? Dá-lhe dois pauzinhos e chama-lhe percussionista.

E se ele não for um bom percussionista? Da-lhe só um pauzinho e chama-lhe maestro.

Qual é a semelhança entre um violoncelista e um prostituta? Ambos ganham a vida de pernas abertas! [ Esta é mesmo muito má... Anas, desculpem... =P ]

Durante um ensaio de orquestra gera-se a confusão no naipe dos contrabaixos. Pergunta o maestro: - "Que se passa contrabaixos?" - Responde um dos contrabaixistas: - "Foi ele, que me desafinou a corda!" - Diz o maestro: - "E daí....? Afina-a!" - Diz o contrabaixista: - "Eu afinava-a, mas ele não me diz qual foi!"

Um dia dois homens foram a um bar e um diz: - "Fui verificar o meu Q.I. e foi-me avaliado em 175." - Diz outro, na mesma mesa: "Que engraçado, o meu também. O que é que tu fazes na vida?" - Responde o outro: - "Sou Físico Nuclear". Numa mesa mais adiante outros dois médicos cirurgiões comparavam admirados Q.I.'s iguais de 160. Numa outra mesa diz um homem: - "Sabias...fui avaliar o meu Q.I., foi-me avaliado só em 52!" - Diz o outro homem com entusiasmo: "Que coincidência, também o meu! Que tipo de baquetas usas?"

Estão dois tipos sentados ao pé da estrada: um é músico e o outro também não tem dinheiro...

Porque é que viola em alemão se diz: "Bratsche"? Porque é o som que faz quando te sentas em cima de uma...

Um trompetista entra numa loja e diz “Queria uma surdina ua-ua e um frasco de óleo!” diz o comerciante “Pardon?” Repete o trompetista “Queria uma surdina ua-ua e um frasco de óleo!” – o comerciante pensa algum tempo e pergunta “Você é trompetista?” –“Sim! Como descobriu?” - pergunta o trompetista. “É que isto é um talho!”

Estava um percussionista no flirt, aparentemente bem sucedido... quando, de repente, ela lhe pergunta: "Então...diz-me...o que é que tu fazes?" - responde o percussionista - "Eu sou músico!" - A rapariga fica muito admirada "Uau!!!" - interrompe ele: "...sou percussionista."- Diz rápido a rapariga :"Mas...tu és um percussionista... mentiste-me, pensava que fosses um músico!"

Qual é a diferença entre um violetista e uma prostituta? É que a prostituta sabe as posições todas. [ainda bem que não conheço nenhum violetista... =P ]

Qual é a semelhança entre um maestro e um preservativo? Com eles é mais seguro, mas sem eles é tão bom...

Como é que sabes se está um baterista a bater à porta? Está fora de tempo...

E como sabes que um contrabaixista está a tocar à campainha? Está desafinado...

Como é que se afinam dois flautistas? Mata-se um deles.

Duas amigas encontram-se. Diz uma delas: "Agora tenho um namorado novo: Um trompetista! Vê lá que ele tem uns lábios tão fortes...beijá-lo é uma sensação..."- interrompe a outra: "Isso não é nada! Eu agora tenho um namorado novo também: é um trompista!!! Tem uns lábios suaves como seda, que até dá gosto beijar, mas não percebo... porque é que ele me põe a mão no cu enquanto me beija!!!"

Qual é a melhor forma de evitar que um violino seja roubado? Põe-se o violino numa caixa de viola-de-arco.

Um dia um famoso violoncelista morre, vai parar às portas do céu e pergunta a S. Pedro. "Hei, Pedro, posso entrar?" - S. Pedro Pergunta-lhe: - "O que é que fizes-te na terra?" - ao que ele responde: - "Fui músico..." - diz S. Pedro - "Pois, mas músicos não podem entrar no céu!". O violoncelista, desanimado vem-se embora, quando de repente...ouve uma versão estranha da 1º Suite de Bach. Volta às portas do céu e diz ao S. Pedro.: - "Então, disseste-me que músicos não podiam entrar no céu...pois alguém está aí, a tentar tocar as suites de Bach..." Diz o S. Pedro com admiração. "Ahh, mas nós não temos cá músicos..." - protesta o violoncelista: - "Então o que era aquilo." - S. Pedro intrigado, vai espreitar, volta, e diz: - "Mas aquilo não é um músico, é um violetista!"

[esta tem que ser em inglês...] Once upon a time, the trombone section annoyed the maestro so much that he got pissed and threw the baton at one of them, killing him instantly. He was charged with homicide and was sent to jail, waiting for the electric chair... The day came: he sits in the electric chair with a strange smile on his face... The guard pushes the button but nothing happens. Pushes once again, nothing still... Then the maestro says: You'll never kill me!!! I'm a bad conductor!!!

Um dia um músico morre, e vai parar ao céu. Quando chega pergunta ao S. Pedro, se havia lá, no céu, alguma orquestra. Responde S. Pedro: - "Sim, nós temos aqui a mais maravilhosa orquestra, e está cá reservado um lugar para ti! Eles vão ensaiar dentro de minutos, vamos até lá...". Quando eles chegaram o músico ficou maravilhado: todos os grandes estavam lá a aquecer... Paganini era o concertino, Pablo Casals era o chefe de naipe dos violoncelos. E Lizst estava-se a preparar para ensaiar um dos seus concertos. De repente, deu-se um alvoroço quando entrou o maestro: Os músicos não o reconheceram...era esperado que fosse um dos grandes...é então que o músico pergunta a S. Pedro: - "Quem é o maestro?" - S.Pedro responde: - "Oh, aquele é Deus... Pensa que é Von Karajan."

Quantos contrabaixistas são necessários para mudar uma lâmpada? Nenhum: um pianista faz isso sozinho... Só com a mão esquerda!

Porque é que um fagote é melhor do que um oboé? O fagote arde durante mais tempo!

Para que serve um oboé a arder? Para pegar fogo a um fagote...

O que se pode fazer para por um violoncelista a tocar fortíssimo? Escreve-se na partitura: "pp, espressivo".

Qual a diferença entre um violetista e uma cebola? Ninguém chora quando se corta um violetista às rodelas...

Estão dois tipos sentados numa curva e nisto pára um taxi. Um tem um par de baquetas e o outro tem uma guitarra. Qual deles é o músico profissional? O taxista.

Um violetista e um pianista foram condenados à pena de morte. Como habitual, foi-lhes concedido um último desejo. O violetista disse que queria tocar uma última vez antes de morrer. O pianista disse que queria ser executado antes que concedessem o desejo ao primeiro...

Qual é a diferença entre o 1º e o 2º violino? Meio-Tom.

E qual é a diferença entre o 1º e 2º oboé? 1 compasso.

Diz um violinista, a meio de um solo: - "Fogo, tenho tanta técnica, que até se me atrapalham os dedos!"

O que é maior, o violino ou a viola? Na verdade são do mesmo tamanho, os violinistas é que são cabeçudos...

Um violinista foi chamado a julgamento. Pergunta o juiz: - "Olha, lá...não te vi já antes?". Responde o violinista esperançado: - "Sim, dei aulas de violino ao seu filho...", "Ah, sim, já me lembro... Vinte Anos!"

Como é que se sabe que a viola está desafinada? O arco mexe...

Porque é que as piadas sobre violetistas são tão curtas? Para os violinistas também as perceberem...

Qual a diferença entre um cão e um violetista? O cão sabe quando parar de arranhar...

Quantos violinistas são precisos para forrar uma cozinha? Apenas um, mas tem que ser cortado em rodelas bem fininhas...

O Joãozinho vem da escola, e diz à mãe: - "Mãe, aprendi o alfabeto hoje! O resto da turma perdeu-se no "F", mas eu segui até ao fim." - diz a mãe: - "Muito Bem, Joãozinho. Tudo isso porque tocas viola de arco..." No dia seguinte, o Joãozinho chega a casa e grita: - "Mãe, Mãe, hoje contei até 100! Os outros ficaram pelo 60, mas eu consegui chegar até 100!"- e a mãe diz -"Excelente, Joãozinho. Tudo isso porque tocas viola de arco..." - No dia a seguir, quando o Joãozinho chega a casa, diz: - "Mãezinha, a professora mediu toda a gente, na sala, e eu era o mais alto. Também é porque toco viola de arco?" - A mãe abana a cabeça e diz: - "Não, querido, isso é porque tens 26 anos..."

A que altura é que consegue chegar uma viola de arco? Depende do pontapé que lhe deres...

Um contrabaixista chega ao ensaio, bastante tarde, pede desculpa pelo facto e o maestro pergunta-lhe: - "Não quer algum tempo para afinar?" - diz o contrabaixista: - "Não obrigado. Todas as cordas têm a mesma tensão, não é preciso afinar." - dito isto, o chefe de naipe das violas, levanta-se e diz ao idiota do contrabaixista: - "Seu burro, as cordas não têm que ter a mesma tensão, para estarem afinadas... as cravelhas é que têm que estar ao mesmo nível e com a mesma direcção!"

O que se chama a um músico que acabou recentemente com a namorada? Sem-abrigo...

O que é que se assemelha a ao som de um cravo? Dois esqueletos a praticarem sexo em cima de uma placa de zinco. [ou, à la Eduardo Vaz Palma, um faqueiro... =P ]

Havia um violinista que se dizia capaz de tocar semifusas a 270 M.M. Para o provar ao resto da orquestra, tocou uma.

Como sabes que está uma soprano à tua porta? Independentemente do que lhe digas, ela não sabe quando entrar...

Qual é a diferença entre uma soprano e um Porsche? A diferença é que a maioria dos músicos nunca esteve num Porsche.

O que é que se vê se olharmos para a saia de uma soprano? Um tenor. [estas foram mesmo más... ]

Qual é o pedido mais comum que um músico recebe? "Um Big Mac e uma Coca-Cola, por favor..."


terça-feira, janeiro 16, 2007

 

Vindo do baú: Pastilhas Gorila

Inicio hoje neste blog uma rubrica (a primeira) que aparecerá periodicamente de vez em quando. Chamar-se-á "Vindo do baú", uma alusão àquele mítico baú que todos temos, cheio de cangalhada e traquitana que traz à memória recordações de tempos que já vivemos. Para a estreia desta rubrica escolhi falar de um reencontro recente. Falo das pastilhas Gorila.
Olá, o meu nome é João Pedro e ando na pastilha desde criança. A minha história é esta:
Passei oito extenuantes anos da minha vida num sofrimento permanente por não saber fazer balões com pastilha elástica. Foi mais ou menos o período compreendido entre o meu nascimento e algures a meio dos meus oito anos.
Antes não ligava muito às pastilhas. Mas um dia fui à terra da minha avó. Lá encontrei a minha prima, dois anos mais velha que eu, e num dia de Verão em que aquele sol transmontano batia em chapa nas nossas cabeças, sentámo-nos juntos numa sombra que encontrámos e lá, sentados no chão entre galinhas à solta e ervas daninhas que cresciam nas frestas da calçada, tive a minha primeira experiência. No final, transpirado do calor que se fazia sentir e da emoção das vivências, levantei-me de um pulo e fui para casa a correr contar a toda a gente: OLHA, OLHA, JÁ SEI FAZER BALÕES COM PASTILHA ELÁSTICA! Desde então, a minha vida nunca mais foi a mesma. A minha prima Ana marcou de forma indelével a minha infância.
Quando cheguei a Lisboa sentia o bichinho da pastilha elástica a fazer-me cócegas. Ainda o tentei enxotar, mas o patife estava no estômago e não saiu cá para fora. Não resisti, e fui abastecer-me ao meu dealer: um café ao lado de minha casa que vendia Pastilhas Gorila a 10$00 cada. Era caro, sim, mas todos vícios são caros... Comecei a consumir longe dos olhares da minha família. Um dia os meus pais entraram no meu quarto e abriram uma gaveta. Lá encontraram vários cromos das Gorila e 2 ou 3 pastilhas com sabor a menta. Entrei em choque quando os meus pais descobriram que eu estava agarrado à pastilha mas, estranhamente, eles aceitaram isto de uma forma pacífica. De tal maneira que, nos longos períodos que eu passava fechado no meu quarto envolto no *PLOP* dos balões que fazia e rebentava, se alguém perguntava o que eu estava a fazer o meu pai respondia com a maior das calmas: "Está no quarto, pastilhado..." Os períodos de ressaca eram muito complicados, porque quase não conseguia falar, tais eram as dores nos maxilares de mascar pastilha durante tantas horas seguidas.
Lembro-me também quando os meus amigos descobriram que eu estava agarrado. Foi numa reunião dos escuteiros. Estava com a minha patrulha e decidi pôr uma pastilha na boca, ninguém vai notar... E pus, mas distraí-me, comecei a fazer balões e dei um passo maior que a perna: fiz um balão me'mo grande, o maior que alguma vez tinha feito. Excitei-me, deixei-me levar pelo momento e não pensei nas consequências. O balão, atingido o limite da elasticidade da pastilha, rebentou-me na cara e fiquei com a pastilha espalhada por toda a cara. Andei uma semana a tirar o raio da pastilha das sobrancelhas. Foi uma vergonha... Os meus chefes alertaram os meus para o perigo da pastilha, e eles cortaram-me a semanada. Também o meu ursinho de peluche me deixou: quando cheguei a casa encontrei um bilhete que dizia "Não aguento mais. A nossa vida foi-se desmoronando aos poucos. Estou, literalmente, pelas costuras com o teu vício. Acabaram-se as noites abraçado a mim, a mordiscar-me as orelhas felpudas. Adeus. Ass: o teu Urso"
A dada altura tive que deixar mesmo a pastilha. O preço subiu para 15$00 e não tinha rendimentos para sustentar o vício. Também larguei a pastilha porque percebi que as coisas estavam a ir longe demais: a pastilha começava a puxar-me para coisas mais pesadas, como o ácido (gástrico, que se formava em demasia e me obrigava a andar a pastilhas Rennie todos os dias) e para a coca (cola. Sem limão nem gelo, se estiver fresquinha, por favor...).
Estive cerca de 8 anos "limpo", mas há coisa de duas semanas encontrei um novo dealer, ao pé do IGL, que ainda vende pastilhas Gorila. O preço agora é de €0.10, ou 20$00 na moeda antiga. É incrível como as coisas encarecem 10$00 em 10 anos!!!

 

How to screw up on the first date

Se há coisa com que um homem se preocupa, do alto do seu arrogante orgulho masculino, é com a primeira impressão que deixa a outra pessoa. Outra pessoa do sexo feminino, leia-se. Eis algumas guidelines para o que NÃO fazer no primeiro (e provavelmente último, se estas "normas" não forem respeitadas...) encontro com uma rapariga:
- Não passem o tempo todo a falar de vocês.
- Na altura de falarem de vocês, não passem o tempo todo a falar das vossas ex-namoradas e oh!, céus, que saudades tenho dos belos tempos passados...
- Quando perceberem que não respeitaram o item anterior, calem-se.
- Não se engasguem a falar, não falem demasiado, não falem de forma imperceptível e não deixem frases a meio que possam fazer com que a outra pessoa pense "Isto não tem lógica nenhuma! Este gajo é chanfrado..."
- Se forem almoçar, lanchar, jantar, whatever, não falem de boca cheia e tentem não ficar com os cantos da boca sujos de comida. Tentem também evitar gargalhadas que façam com que a Coca-Cola espirre pelo nariz.
- Segundo manda a tradição, quem convida paga. Se forem vocês a convidar, paguem. Se não forem, valham-se da outra tradição: é o homem que paga... Insistam. Prometam que da próxima vez é ela que paga. Façam um sorrisinho malandro e figas com os dedos dos pés.
- Se vão seguir o conselho anterior, certifiquem-se previamente que têm dinheiro na carteira.
- Lavem os pés. Principalmente se estiverem a usar sandálias.
- Aprendam a olhar atentamente as pessoas nos olhos. Mas evitem comentários como "Tens aí uma ramela... Não te lavas?"
- Evitem, por exemplo, discussões do tipo "Escolhe tu...", "Não, escolhe tu...", "Não, tu...", "Não...", "Eu vou onde tu fores...", "Eu também...", principalmente se isso levar a que, quando se decidirem, já todos os restaurantes estejam fechados.
- Tentem fazer algo mais do que um sorriso e um "hmm hmm..." semi-gargalhado como resposta ao que a outra pessoa diz. Mesmo que estejam totalmente bloqueados e não saibam o que fazer ou dizer.
- Se sentirem as mãos a tremer com os nervos, experimentem apertar uma tampa de garrafa de água durante o jantar: funciona! Mais ou menos...
- Por fim... Se tiverem um blog, não escrevam, em jeito de pedido de desculpas por serem uns atrasados mentais e não acertarem uma, um post como este. Não que me tenha acontecido. É só uma ideia...

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